segunda-feira, 26 de abril de 2010

Tarefa 1, “a mais velhinha”, de comparação de sistema francês e britânico de Justiça Administrativa – “Governo dos Juízes”

Em jeito de realização da primeira tarefa proposta neste blogue, quando o mesmo ainda não se encontrava em pleno funcionamento, vimos agora, talvez tarde, talvez a tempo, versar sobre a caracterização comparada dos modelos francês e britânico de Justiça Administrativa.
Pelo nosso interesse e “quase amor” pela função jurisdicional, vamos tratar esta comparação de modelos versando sobre os Tribunais, tendo sempre presente que é a análise comparativa e a própria evolução histórica que pretendemos enfatizar.

Mário Nigro, em 1980 usa a expressão “
juiz de trazer por casa” para explicar o primeiro trauma da evolução histórica do contencioso administrativo, já que se atribuía aos órgãos da Administração a tarefa de se julgarem a si próprios. Caso se desse a possibilidade a um Tribunal Comum de “perturbar a actuação dos corpos da Administração”, estar-se-ia a conceder-lhe a função administrativa, estar-se-ia a dar-lhe a possibilidade de administrar!
Este sistema de administrador-juiz, ou chamado “pecado original” do Contencioso Administrativo, baseava-se no tão conhecido e tão mal interpretado Princípio de Separação de Poderes, do ilustre Montesquieu. Dizia no seu “
De L’Esprit des Lois” que o poder judicial “é o poder através do qual o Estado julga e pune os particulares pelos seus diferendos”. Logo, segundo a lógica da separação de poderes, nunca poderia um tribunal julgar a Administração, porque estava fora do “verdadeiro” poder judicial. Para mais, os juízes seriam apenas, a partir da Revolução Francesa, bocas que pronunciavam as palavras da lei. Entidades desprovidas de poder, os juízes eram invisíveis ou nulos uma vez que não estavam ligadas a nenhum Estado.

Urge ser questionado o seguinte: Parece justa esta afirmação do ilustre Barão de Montesquieu, quando durante todo o Antigo Regime foram os juízes que lutaram contra a concentração do poder real (com os seus “vetos” e censuras às decisões régias) ?
Parece que justa não será, mas o medo dos revolucionários encontrou nestas palavras alento para comprimir o poder dos juízes.
O medo nunca é justo e muito menos racional.
Os revolucionários, receando o “
gouvernement des juges” (governo dos juízes), ditam no Preâmbulo da Legislação de 1789: “a Nação não esqueceu o que se deve aos Parlamentos; só eles resistiram à tirania (...) mas esta forma de magistratura não é já mais necessária...”.

Temos aqui substância para analisar comparativamente França e Inglaterra (referimos os países e não os sistemas francês e britânico para, ao estilo alegórico, se personificarem as partes):

1) Não deixa de ser caricato como uma só teoria da separação de poderes tem interpretações tão diferentes consoante os teóricos do Direito que a problematização e aplicam. Em França, os litígios administrativos são proibidos aos tribunais comuns. A ideia de Estado “todo-poderoso” esconde-se atrás da Administração e do seu contencioso especial. Em Inglaterra, a Administração submetia-se aos tribunais e regras de direito comum, estando até o Rei impedido de resolver “questões contenciosas” ou ordenar os juízes, numa verdadeira ideia de separação de poderes (Act of Settlement 1701).
2) A preocupação subjectivista em 1689 do Bill of Rights concede direitos, liberdades e garantias a todos os englishmen, sem excepção, ou seja, afirmava-se um “rule of law” para todos. E em França, será que Agnès Blanco também logrou desta visão subjectivista? Não. Nessa altura a Administração executiva não via o particular como sujeito jurídico, mas como mero objecto do poder político. Só os direito subjectivos públicos eram invocáveis pelo indivíduo contra o Estado.
3) Centralização napoleónica contrapõem-se à descentralização da central government e local government.
4) Sistema de administração judiciária vs sistema de administração executiva.

Podíamos continuar a elencar e cruzar informações francesas e inglesas, porque os sistemas são clara e indiscutivelmente diferentes, mas para isso remetemos para DICEY e HAURIOU, os quais, cada um com o seu nacionalismo, o farão mais acertadamente.

Chegada à parte das ilações - parece então que o sistema inglês é o “mais simpático”, sendo aquele para onde nos leva a razão. Perguntam-nos então: Porque é que Portugal se deixou influenciar pelo “malvado” sistema francês?
A resposta surge uns anos mais tarde quando, já no século XX, a Inglaterra se depara com a realidade dos tribunais administrativos –
tribunals em oposição aos courts –aqueles julgando com regras processuais diferentes caso o litigio fosse administrativo. Apesar desta jurisdição única parecer estar dividida, não se chega sequer a uma confusão entre administração e justiça, porque a última palavra, em termos de legalidade, cabe sempre aos tribunais comuns.
A justificação para a escolha do sistema francês tem naturalmente a ver com o facto de Portugal pertencer à família “jurídico-continental”, marcado pelo poder da Constituição e da Administração, ao contrário do sistema
common law.

Cabe-nos agora concluir esta tarefa, deixando várias interrogações:

- Será que a criação dos Tribunais Administrativos faz/fez sentido?
- Será que todos os litígios poderiam (nomeadamente aqueles em que a administração é parte) integrar a competência dos Tribunais Comuns?
- Será que o futuro do Contencioso Administrativo poderá inspirar-se noutros sistemas jurídicos, (o sistema oriental), para procurar novas soluções?

O nosso objectivo não é o de propor um sistema de
common law para Portugal, mas sim algo mais profundo e psicanalista: feita a análise do modelo francês, o qual influenciou a nossa Justiça Administrativa, saber se este pode evoluir para um ainda menor intervencionismo estatal e crescente poder jurisdicional único.
Os mais receosos dirão: Mas os tribunais funcionam mal? E se a jurisdição comum e a jurisdição administrativa fossem uma só?

Conclusões para depois, deixamos aqui aberto o debate.

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