O campo de actuação dos tribunais administrativos e fiscais encontra-se delimitado por disposições da C.R.P., E.T.A.F. e de legislação especial. Esta temática assume grande relevância dado que uma incorrecta aferição de qual seja a jurisdição competente pode conduzir a que o litígio em causa não possa, pelo menos de imediato, ser solucionado.
Segundo um critério orgânico pode referir-se que os tribunais administrativos são competentes para conhecerem de questões de direito administrativo para as quais lei prévia disponha ser competente a jurisdição administrativa. Uma correcta abordagem deste tema impõe que se atenda em primeira linha ao disposto na C.R.P. (mais concretamente ao artigo 213.3) de modo a aferir se nela se consagra uma reserva material absoluta de jurisdição que implique não apenas que só os tribunais administrativos podem julgar questões de direito administrativo bem como se a resolução de tais questões é um exclusivo dos tribunais administrativos.
Face à primeira interrogação apesar de inicialmente o Tribunal Constitucional propugnar o entendimento de que leis ordinárias que atribuíssem aos tribunais administrativos competência para aferirem questões não de direito administrativo a verdade é que grande parte da doutrina afirmava, mesmo antes do actual E.T.A.F., que os tribunais administrativos podiam julgar litígios emergentes de relações jurídicas não administrativas ( ex: actuação da Administração segundo normas de direito privado). O actual E.T.A.F. consagra tal concepção por exemplo nas alíneas e),g), e h) do nª1 do art. 4º.
Já no que diz respeito à segunda questão são de destacar dois distintos entendimentos na doutrina. Freitas do Amaral e Aroso de Almeida defendem que questões de d.administrativo que se conectem com d. fundamentais podem, dada a maior protecção processual conferida pelo C.P.C., ser julgadas por tribunais que não se insiram na jurisdição administrativa. Por seu turno Viera de Andrade advoga que apesar de o cerne da resolução de questões administrativas ser da competência dos próprios tribunais administrativos a verdade é que é viável que para tais questões sejam competentes tribunais não pertencentes à jurisdição administrativa (o que, de resto, não é vedado pelos art 211.1 C.R.P. nem pelo art 66 C.P.C.) sendo ainda relevante afirmar se se estiver perante uma questão de d. administrativo que não se encontre atribuída a qualquer jurisdição a competência para julgar será não dos tribunais judiciais mas sim dos tribunais administrativos ao quais, deste modo, se confere uma competência residual em sede de d. administrativo.
Conclui-se, pois, que o art. 212.3 C.R.P. não consagra uma tal reserva material absoluta devido aos argumentos antes apresentados e a verdade é que a própria C.R.P. acaba por inviabilizar tal realidade (ex: desde logo o art 223.2 CRP confere competência para julgar certas questões eleitorais ao próprio Tribunal Constitucional).
Em face de legislação ordinária papel central é atribuído ao E.T.A.F. que não apenas delimita os caso em que os tribunais administrativos são competentes (art 4.1) como expressa questões excluídas da jurisdição administrativa ( arts 4.2 e 4.3), fazendo-o sempre de modo meramente exemplificativo.
No que diz respeito ao E.T.A.F, cujo art 1º se limita a reafirmar o art 212.3 CRP, o seu art 4.1, que tem um carácter positivo, não apenas procura densificar o próprio art 212.3 C.R.P. bem como acaba por extravasar o que tal artigo define.
A maioria das alíneas do art 4.1 (são elas as alíneas a),c),d),f),i),j),l),m) e n) ) apenas explicitam o sentido do art 212.3 C.R.P. sendo de destacar nelas os seguintes aspectos:
4.1.a) Tribunais administrativos são competentes para acções destinadas à defesa de direitos fundamentais cuja violação decorra em sede de relações jurídicas de direito administrativo. De salientar que por esta via não apenas se evidencia o crescente subjectivismo do contencioso administrativo orientado a para a defesa de d. fundamentais dos particulares bem como se permite a tutela de direitos fundamentais de que a própria administração seja titular;
-4.1.c) A jurisdição administrativa julga lígios emergentes de actuações materialmente administrativas de órgãos que, por seu turno, não se inserem organicamente na Administração. Como exemplo destacam-se os actos materialmente administrativos praticados por tribunais judiciais ou os estatutos que regulam as relações entre a Assembleia da República e os seus deputados;
-4.1.d) Considera-se serem competentes os tribunais administrativos para aferir de litígios respeitantes à legalidade de normas e demais actos realizados por sujeitos privados, e já não somente por “pessoas colectivas de direito público” tal como refere o art. 4.1 b, quando tais entidades, mediante delegação, persigam interesses públicos através do exercício de uma actividade caracterizável como administrativa. Enquanto exemplos de tais entidades são, entre outras, as cooperativas, fundações de direito privado de criação pública, concessionários de obras e serviços públicos, federações desportivas ou instituições particulares de solidariedade social. Ainda quanto a tais entidades a sua sujeição à jurisdição administrativa é confirmada pelos art 37.3 e 51.2 C.P.T.A. que possibilitam a sua sujeição aos tribunais administrativos;
-4.1.f) Segundo esta alínea subsumem-se à jurisdição administrativa litígios referentes à interpretação, validade e execução de contratos administrativo tal como eles são definidos pela lei substantiva), visão esta que é defendida, entre outros, pelo autor Vieira de Andrade. Temos, pois que estão sujeitos à jurisdição administrativa:
- os contratos expressamente qualificados como administrativos pela lei; por lei deve aqui entender-se não só legislação diversa legislação avulsa ( ex: contratos de concessões de áreas de serviço a edificar na rede viária art 1º D.L. 173/93 e o contrato de urbanização art 45.1º D.L. 289/2000) bem como os contratos que se subsumam ao art 1.6 Cod. Contratos Públicos;
-“contratos de objecto passível de acto administrativo”; relevam os contratos cujo objectivo é a produção de efeitos jurídicos que, segundo a lei, apenas podem derivar da prática de um acto administrativo; esta realidade corresponde aos contratos administrativos de subordinação do direito alemão;
-“contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo”; inserem aqui os contratos nominados do art 178.2 C.P.A. bem como os contratos em que certos aspectos do seu regime sejam reguláveis por normas de direito público ( ex: contratos de arrendamento de imóveis pertencentes ao domínio privado do Estado que estão sujeitos a ordem administrativa de despejo caso seja necessária a sua utilização);
-“contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público”; abrange os contratos que as partes, por sua vontade, tenham sujeitado a um regime de direito público podendo tal derivar de no, contrato em causa, se proceder, por exemplo, a uma remissão para o C.P.A. (ex art 180)ou se qualifique o contrato como sendo de d.administrativo, sendo que simplesmente pelo o facto de se dispor que tal contrato se subsume ao foro administrativo não basta para que tal se verifique;
-4.1.i) A jurisdição administrativa julga responsabilidade civil extracontratual decorrente de actos de entidades privadas praticados no exercício de poderes públicos mas não afere litígios em que tal responsabilidade derive de actos de mera gestão privada;
-4.1.j) São da competência dos tribunais administrativos os litígios de d. administrativo, e não aqueles que decorram de actos de direito privado, “entre pessoas colectivas de direito público” (ex: relações entre associações de municípios ou casos em que uma entidade de tutela possa fiscalizar a entidade tutelada dado o art 37.2 C.P.T.A. ou solicitar a ineficácia de actos por esta realizados) e “entre órgão públicos”( relevam aqui os litígios existentes entre órgãos da mesma pessoa colectiva, ou seja, as chamadas relações inter-orgânicas);
-4.1.l) Os tribunais administrativos dirimem litígios emergentes da necessidade de prevenção, cessação e reparação de bens constitucionalmente protegidos (sendo estes não apenas os presentes nesta alínea bem como os que constam do art 9.2 C.P.T.A. cuja enumeração é exemplificativa) e desde que a violação de tais bens protegidos for da autoria de entidades públicas e resulte quer de um acto de direito público quer de um acto de direito privado que não constitua crime;
-4.1.m) Tribunais administrativos aferem de questões de contencioso eleitoral para as quais não é competente o Tribunal Constitucional que, por exemplo, tem a seu cargo julgar litígios das eleições para a Assembleia da República, para a Presidência da República e para o Parlamento Europeu dado o art 8º da Lei do Tribunal Constitucional. Consequentemente, e a título exemplificativo, os tribunais administrativos são competentes para eleições realizadas em universidades ou institutos públicos;
-4.1.n) Os tribunais administrativo são competentes para executarem sentenças por si proferidas e sentenças emitidas por tribunais arbitrais constituídos nos termos da lei administrativa ( ex art 180 e ss C.P.T.A.) concluindo-se, consequentemente, que esta disposição concretiza o art 3º C.P.T.A. e respectivo princípio da auto-suficiência executiva dos tribunais administrativos cuja execução de sentenças não pertence assim aos tribunais judiciais;
Por seu turno as alíneas referentes a matérias como a responsabilidade civil (alíneas g) e h) ) e a contratação ( alíneas b),e) e f) ) acabam por proceder a um alargamento face ao que decorreria do art 212.3 C.R.P. destacando-se as seguintes especificidades:
-4.1.g) A jurisdição administrativa julga questões que, nos termos da lei (ou seja, da Lei 67/2007), levem ao surgimento de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público independentemente de o acto lesivo ser um acto de gestão privada ou de gestão pública. Paralelamente também a jurisdição administrativa conhece de acções intentadas para reparar danos emergentes do exercício da função legislativa e da função jurisdicional que, segundo a Lei 67/2007, originem responsabilidade civil extracontratual. Por exemplo os tribunais administrativos conhecem de acções de responsabilidade por actos ou omissões da função jurisdicional que invoquem, independentemente da jurisdição que cometeu tal falha, “erros de actividade” (ou seja, de organização) do funcionamento dos tribunais por estes violarem o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável dado o art 12 Lei 67/2007 ou por “erro judiciário” derivado de má interpretação de uma lei por parte de um tribunal administrativo (e nunca de um tribunal de outra jurisdição);
-4.1.h) Os tribunais administrativos têm legitimidade para julgarem a responsabilidade civil extracontratual de funcionários,de titulares de órgãos de pessoas colectivas de direito público e dos próprios órgãos (dada a alínea c)) independentemente do regime de prestação de trabalho (que pode ser por exemplo um contrato de trabalho de direito privado ou um contrato de trabalho em funções públicas) e do acto que está na génese do dano desde que este ocorra no exercício de funções públicas e por causa delas. Face a esta última parte da anterior afirmação destaca-se que a efectivação da responsabilidade depende do facto de o acto que lhe dá origem ocorra no exercício de funções pública (ou seja, releva aqui uma noção de conexão funcional que se prova mediante a demonstração de que o agente não estava a actuar no sou âmbito privado) e seja realizado por causa do exercício de tais funções públicas ( sendo que apenas neste caso haverá responsabilidade solidária do Estado com o titular do órgão dado o art 8.1 e 8.2 da Lei 67/2007. Conclui-se, pois, que se acto do agente que está na origem do surgimento da responsabilidade do agente for um acto pessoal então serão competentes os tribunais judiciais. É igualmente da competência dos tribunais administrativos as acções de responsabilidade civil extracontratual contra agentes que actuem no seio de pessoas colectivas públicas quando estas actuem com prerrogativas de poderes públicos ou segundo normas de direito público( tal consideração é viável desde logo devido ao disposto no art. 1.5 Lei 67/2007 que determina que tal lei se aplica agentes de direito privado que prossigam interesses públicos).
- 4.1.b) Segundo esta disposição, na sua 1ª parte (que acaba por apenas concretizar o sentido do art 212.3 C.R.P.), os tribunais administrativos podem fiscalizar a legalidade de normas (e, dado o art 4.1.d, regulamentos) e acto jurídicos (ex acto administrativos) emanados de pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de d. administrativo. É, todavia, na segunda parte desta alínea que se procede a um alargamento do âmbito da jurisdição administrativa à face do que decorreria do art 212.3 C.R.P. uma vez que se considera serem os tribunais administrativos competentes para conhecer de invalidades presentes em quaisquer contratos, sejam eles de direito público ou de direito privado, que derivem da invalidade do acto administrativo que está na base da celebração de tal contrato ( ou seja, cujo procedimento público pré-contratual que precedeu à sua celebração seja invalido);
-4.1.e) A explicitação desta alinea é melhor compreensível se se proceder à seguinte divisão:
-Jurisdição administrativa é competente para julgar “questões relativas à validade de actos pré-contratuais” de “contratos”, quer sejam eles de direito público ou de direito privado,”a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidas, a um procedimento pré-contratual regulados por normas de direito público”; ou seja, existindo lei específica que preveja a possibilidade de sujeição a procedimentos pré- contratuais a normas de direito público, todos os litígios sobre a validade de tais actos pré-contratuais são da competência da jurisdição administrativa. E tal sucederá quer tal procedimento pré-contratual tenha existido ou não, a entidade que o pratica seja de direito público ou de direito privado e o contrato a que tal procedimento se oriente de direito público ou de direito privado. Esta alínea conecta-se em grande medida com a chamada Teoria da Invalidade Consequente segundo a qual se o procedimento existente antes do contrato estiver viciado na sua validade tal facto irá contaminar a própria validade do próprio contrato administrativo celebrado. A razão de ser desta alínea prende-se com a intenção de evitar que existindo por exemplo um contrato de direito privado com um procedimento pré-contratual público tal contrato se sujeite à jurisdição comum e esta depois não esteja legitimada a apreciar o procedimento pré-contratual que se orientou por normas de direito público. De salientar, finalmente, que o art 100.3 C.P.T.A. acaba por ainda vir a alargar o âmbito de jurisdição administrativa presente nesta alínea dado que a considera competente para julgar litégios emergentes de actos de entidades privadas que sejam realizados no âmbito de procedimentos pré-contratuais públicos;
-Jurisdição administrativa é competente para julgar “questões relativas à interpretação, validade e execução” de “contratos”, quer sejam eles de direito público ou de direito privado,”a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidas, a um procedimento pré-contratual regulados por normas de direito público”; face a esta parte da alínea aplica-se o raciocínio apresentado na 1ª parte unicamente se distinguindo ambas dado que esta se centra em “questões relativas à interpretação, validade e execução” de “contratos”;
Os art 4.2 e 4.3 E.T.A.F. são normas que, sempre de modo exemplificativo, retiram à jurisdição a competência para conhecer de certas questões.
Os casos enunciados no art 4.2 estão excluídos da jurisdição administrativa uma vez que, apesar de terem a natureza de direito público, a verdade é que não emergem de relações jurídico administrativas como determina o art 212.3 C.R.P. Destacam-se as seguintes particularidades:
-4.2.a) Face a actos praticados no exercício da função política os mesmos caracterizam-se por não serem susceptíveis de impugnação contenciosa mas apenas estão sujeitos ao controlo político feito pelos cidadão e órgão de soberania como a própria Assembleia da República. Já se tais actos originarem responsabilidade extracontratual do Estado inserem-se no art 4.1.g).Face à impugnação de actos praticados no exercício da função legislativa para ela não é competente a jurisdição administrativa sendo que tal efeito poderá antes ser através da intervenção do Tribunal Constitucional (art 281 C.R.P.) ou mediante a invocação pelos tribunais da inconstitucionalidade de modo a não aplicar actos legislativos (art 204 C.R.P. e 1.2 E.T.A.F.);
-4.2.b) Os tribunais administrativos não são competentes para impugnar decisões de tribunais que não se insiram na jurisidição administrativa e fiscal;
-4.2.c) Jurisdição administrativa não é competente para a impugnação de actos relativos ao processo penal uma vez que eles não são actos realizados ao abrigo de normas de direito administrativo;
Finalmente do art 4.3 E.T.A.F. determina que a jurisdição administrativa não é igual mente competente para aferir de certa matérias sendo de destacar as seguintes especificidades:
-4.3.a) Jurisdição administrativa não é competente para julgar acções de responsabilidade por erro judiciário ( ex: erro manifesto na aplicação do direito) cometido por tribunal inserido em jurisdição que não a adminstrativa;
-4.3.b) Tribunais administrativos não julgam actos materialmente administrativos realizados pela entidade descrita na alínea. De salientar que o art 24 E.T.A.F. sujeita à jurisdição administrativa os actos materialmente administrativos do Presidente do Tribunal Constitucional;
-4.3.c) Face a esta alínea aplica-se o que antes foi dito perante a alínea c);
-4.3.d) Desta alínea decorre que a os contratos de trabalho celebrados segundo normas de direito privado não estão sujeitas à jurisdição administrativa mesmo que uma das partes seja uma entidade de direito público enquanto que um contrato de trabalho celebrado com recurso ao Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas estará sujeito à jurisdição administrativa. Já se previamente à celebração de contrato de trabalho segundo regras de direito privado se recorrerem a procedimentos pré-contratuais de direito público será competente a jurisdição administrativa dado o art 4.1 e).
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas do; Almeida, Mário Aroso de. Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2004.
Andrade, Vieira de. A Justiça Administrativa (Lições). 10ª ed. Coimbra: Almedina, 2009.
Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira ; Código de Processo nos Tribunais Administrativos (vol. I) e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotado (Reim pressão),Almedina, 2006.
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