terça-feira, 25 de maio de 2010

Algumas (poucas) considerações sobre o processo executivo

Tal como o contencioso administrativo em geral, os processos executivos também tiveram uma (grande) infância difícil. Basta recordarmos que só em 2004, com a reforma, conseguimos ter um verdadeiro processo executivo, podendo ser esta a altura em que os processos cautelares fazem a sua confirmação.
De facto até a reforma de 2004 não existia em Portugal um verdadeiro processo executivo. Melhor, a partir do D.L. 256/77, que esteve em vigor até 2004, tínhamos um meio declarativo complementar para execução de sentenças anulatórias, mas não havia qualquer previsão quanto à entrega de coisa certa, para prestação de facto ou para pagamento de quantia certa de qualquer mecanismo executivo. Parece que podemos, vistas as coisas deste prisma afirmar que não havia um verdadeiro processo executivo, com um corpo de normas próprio e com mecanismos que pudessem obter por via judicial da administração aquilo que foi determinado no processo declarativo.
Contudo antes de 1977 a situação era ainda mais precária, tendo ainda menos força executiva as sentenças que eram tiradas nos nossos tribunais administrativos. Isto porque até 1977, caso a Administração não cumprisse uma sentença, havia a presunção de que havia uma impossibilidade e que podia a administração central simplesmente optar pela forma de execução que fosse menos prejudicial para o interesse público_ situação regulada hoje no art.163º CPTA.
Vistas as coisas desta forma pode facilmente concluir-se que, apesar de tudo, com a entrada em vigor do D.L. supra referido foi dado um salto no sentido da plena juridicionalização do contencioso administrativo. Mas como já foi apontado continuavam a existir algumas falhas. Desde logo, os tribunais quase que só proferiam sentenças de anulação de actos, só raramente havendo sentenças de condenação da administração e quando as havia respeitavam essencialmente a acções de responsabilidade e execução de contratos.
Para complementar, as sentenças de anulação que eram proferidas, para que fossem executadas, careciam de um requerimento particular de pronúncias declarativas complementares pelo tribunal onde este teria que declarar que se verificou uma inexecução da sentença pela administração e que não havia qualquer causa para essa inexecução e, por fim, especificar os actos e operações que teriam que ser levadas a cabo na execução da sentença.
A juntar a estas caracteristicas existentes de 1977 até 2004 temos também a já supra referida falta de um verdadeiro processo executivo.
Tendo a reforma de 2004 como primeiro objectivo cumpri o a C.R.P. no que toca à tutela judicial efectiva dos direitos dos particulares, também no domínio sobre o qual estamos a tratar houve, como já ficou dito, algumas alterações que levaram agora a que as caracteristicas negativas atrás mencionadas tenham sido ultrapassadas.
Desde logo o processo declarativo tornou-se de plena jurisdição o que implicou que passasse a haver agora sentenças condenatórias, onde o particular pode intentar acções que possam levar à condenação da administração por quaisquer comportamentos ou prestações devidas. Outra caracteristica importante foi a possibilidade de cumulação de pedidos de impugnação com pedidos de condenação (art.4º e 47º CPTA).
Nesta reforma deu-se também cumprimento ao art.205º CRP que determina a obrigatoriedade das sentenças para a administração (art.158º CPTA)_ a administração passa a ter o dever de executar a sentença, espontâneamente, dentro de um dado prazo (por exemplo art.162º-1 CPTA).
Obteve-se também um verdadeiro processo executivo, com um corpo de normas próprio e com mecanismos de condenação da administração mais ou menos eficazes, acabando assim com a falta de determinabilidade que havia neste domínio. Para além disto deixou de ser regulado apenas a execução de sentenças de anulação (art.173º ss CPTA), para regular também a execução de sentenças para a entrega de quantia certa (art.170º ssCPTA), para prestação de factos ou de coisas (art.162º ss CPTA).
Por último, talvez a alteração de maior monta tenha sido a levada a cabo pelo agora art.169º e 3º-2 CPTA onde o tribunal para além de poder aplicar sanções pecuniárias compulsórias no caso de não cumprimento das sentenças por parte da administração, se permite também que o próprio tribunal se substitua à administração nos casos em que esta tenha que praticar actos vinculados e devidos.
Ao contrário do que possa parecer esta última medida não põe em causa o principio da separação de poderes nem mesmo a discricionariedade da administração uma vez que o tribunal só poderá substituir-se à administração nos caso em que o acto a praticar seja vinculado e devido. Sendo que nos demais casos em que estas duas condições se não verifiquem não pode o tribunal fazer mais do que uma condenação genérica (por exemplo art.168º-2 CPTA) sendo assim plenamente respeitada a margem de livre apreciação da administração e a sua discricionariedade.
Agora algumas considerações sobre os prazos no campo do processo executivo.
Parece haver alguma controvérsia quanto à natureza dos prazos que são impostos pelo código para que haja um cumprimento espontâneo por parte da administração da sentença proferida no processo declarativo e também para os prazos que o particular dispõe para fazer valer o seu direito á execução perante a administração. Estão aqui em causa por exemplo os prazos do art.162º, 170º, 175º, 176º, entre outros.
A atribuição de uma ou outra natureza vai provocar alterações nas regras que devem ser utilizadas para a contagem do prazo.
De facto se considerarmos que estamos perante um prazo procedimental, regra especial do procedimento administrativo presente no art. 72ºCPA, onde há a suspensão do prazo aos sábados domingos e feriados, com excepção dos prazos com mais de seis meses. Se considerarmos que estamos perante um prazo adjectivo ou judicial, parece que temos que aplicar o art. 58º-3 CPTA que remete para o art.144º CPC, onde não há suspensão dos prazos durante os sábados, domingos e feriados, ou seja contam-se de forma continua, havendo apenas interrupção nas férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses.
Haverá ainda outra forma de contar o prazo caso se lhe atribua a natureza de prazo substantivo onde haverá aplicação do art. 279º C.C., sendo o prazo contado de forma continua nunca se interrompendo, nem mesmo nas férias judiciais.
Como facilmente se pode notar, considerar-se que os prazos que ora se trata tenham uma ou outra natureza vai ter uma grande influência sobre o dia em que vai terminar o prazo.
Antes de continuarmos temos que definir sumariamente o que seja cada um dos prazos. Ora parece que podemos considerar que estamos perante um prazo procedimenntal sempre que estejamos perante um prazo dirigido à prática de um acto administrativo ou de uma formalidade dentro de um procedimento administrativo. Estamos perante um prazo adjectivo sempre que seja dirigido à prática de um acto dentro de um processo judicial. Por fim estamos perante um acto substantivo sempre que este seja dirigido à contagem de prazos para realização de pretensões subjectivas.
No presente caso parece que podemos limitar a discussão aos prazos procedimentais e adjectivos, uma vez que não estamos de todo perante qualquer tentativa de realização de uma pretensão substantiva.
Resta agora saber se estamos perante uma qualquer pretensão processual,ou melhor, se este prazo se dirige à prática de qualquer acto processual ou se estamos antes perante um prazo dirigido à prática de um acto administrativo, ou seja, perante um prazo que leve à abertura de um procedimento administrativo.
A questão encontra na jurisprudência a tomada das duas opções (por exemplo AC. STA. de 02/02/2006 e AC. STA. de 25/01/2006). Na doutrina temos por exemplo Vieira de Andrade que diz estarmos perante um prazo procedimental, contudo não nos acrescenta qualquer argumento para tal consideração (A Justiça Administrativa pag. 413), Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha perfilham a mesma posição, contudo também não avançam qualquer argumento (CTTA anotado pag. 990).
A questão, como vimos tem um grande relevo, particularmente para o cidadão, uma vez que pode ver o seu direito a intentar uma acção de condenação contra a administração precludido no caso de ser confrontado com uma má contagem do prazo.
Para que esta análise se torne mais fácil de compreender vamos seguir de perto o Ac. STA de 25/03/2009. No caso que este ac. trata, temos a consideração de que estamos perante um prazo adjectivo, sendo assim aplicado o art. 144º CPC ex vi art. 58º-3 CPTA.
Em nossa opinião parece ser esta, pelo menos em parte (no que tange à justificação), a solução para o problema. Através da análise dos artigos que são vistos no ac. podemos concluir pelo que acaba de afirma-se.
Parece não poder haver dúvidas que o prazo do art. 176º-2 CPTA é um prazo não procedimental ou adjectivo. De facto o que este prazo nos vem dizer é que o particular, depois de findo o prazo para o cumprimento voluntário por parte da administração, dispõe de seis meses para, querendo, fazer valer o seu direito à execução perante o tribunal. Ora não se pode afirmar que este prazo pretende fixar um limite para a abertura de um procedimento administrativo ou mesmo para a prática de um qualquer acto administrativo. O que este prazo pretende é antes fixar um limite para que o particular possa exercer o direito à execução da sentença proferida no processo declarativo, ou seja, o inicio de um novo processo judicial e não de um procedimento administrativo. É certo que depois deste processo de execução pode ser aberto ou não um procedimento administrativo, contudo este prazo não é de todo dirigido à possível abertura desse processo é sim um prazo destinado ao exercìcio de um direito de acção pelo particular e correspondente inicio de um processo executivo.
Ora depois do que se acaba der dizer e tendo em conta a forma como definimos o prazo adjectivo não podemos concluir de outra forma que não seja pela consideração de que estamos perante um prazo adjectivo, ou seja um prazo destinado à pratica de um acto processual.
A questão torna-se mais complexa no que toca ao prazo do art. 175º-1 CPTA. Este prazo não é já dirigido ao particular e ao seu direito de acção, mas sim à execução da sentença tirada no processo declarativo de forma espontanêa pela administração. Ou seja é um acto apenas e só (pelo menos aparentemente) dirigido à administração, com o qual nem o particular nem o tribunal podem influênciar, ou mesmo alterar, no sentido de pressionar a administração a praticar o acto antes dos três meses. Postas as coisas nestes termos seriamos tentados a considerar que estàvamos perante um prazo procedimental sendo assim aplicado o art. 72º CPA. Isto porque a ideia que à primeira vista se retira do prazo em questão é que está dirigido a regular a prática de um acto administrativo, ou seja, pretende determinar até quando é que a administração pode praticar o acto (executar a sentença) de forma espontanêa sem que para tanto tenha sido pressionada.
Contudo em nossa opinião não podemos limitarnos a ler o prazo do art. 175º-1 sem o conjugarmos com o prazo do art.176º-2. De facto,para que o prazo do art. 176º-2 possa ser aplicado, tem que ter-se em conta o prazo do art. 175º-1 (ex vi art. 176º-1). ou seja existe uma interdependência entre ambos os prazos, na medida em que o segundo só começa a correr depois de terminar o primeiro, sendo que se a sentença for espontaneamente cumprida pela administração este segundo prazo de seis meses nem sequer tem inicio.
Esta argumentação deve levarnos a concluir que existe uma dependência tal entre estes dois prazos que a natureza que se atribua a um tem que ser atribuida ao outro, uma vez que como se viu o prazo de seis meses não começa a correr sem que tenham passado os três meses do art. 175º-1. Tendo em conta que o prazo de seis meses foi estabelecido, como se viu, para delimitar temporalmente o direito de acção do particular e que existe esta elevada dependência entre ambos e por fim que o primeiro só existe para que o segundo posso começar a correr_ isto porque parece claro que o prazo de três meses dado à administração para que cumpra a sentença espontâneamente só é estabelecido para que o particular saiba precisamente quando começa a correr o seu prazo para o exercício do direito de acção_ somos tentar a atribuir a ambos os prazos a natureza de prazos procedimentais.
Analisadas as coisas nestes moldes não podemos concluir de outra forma. Estamos de facto perante prazos dirigidos ao particular para que este possa exercer o seu direito de acção e não perante prazos dirigido à prática de um qualquer acto administrativo.
As considerações que aqui são feitas servem para os demais prazos que se encontram no título VIII do CPTA, ou seja nos demais prazos em que a administração pode espontâneamente executar a sentença e para os prazos de que o particular dispõe para exercer o seu direito de acção.
Em suma, os prazos de que ora tratamos são prazos adjectivos e não procedimentais porque dirigidos ao particular para que este possa exercer o seu direito de acção.
Rui Lopes, 16855, turma8

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