quarta-feira, 26 de maio de 2010

CASOS DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ACTO DEVIDO

Os casos que se seguem encontram-se no livro de casos práticos do Prof. Vasco Pereira da Silva (VPS) serviu de base às nossas aulas práticas deste semestre (pp. 28 e ss.).

CASO I

O meio contencioso de condenação à prática do acto devido vem previsto nos artigos 66º ss. CPTA. É um dos meios que segue a forma de acção administrativa especial. Este meio só deve ser utilizado quando a situação do particular se reconduza a uma das alíneas do 67º/1 CPTA. Assim, porque se o particular pretender que a Administração (AP) pratique um acto material que não seja em si um acto administrativo, deverá ao invés, socorrer-se da acção administrativa comum de condenação (vejam-se as alíneas c, d, e do artigo 37º CPTA).

Como introdução à resolução destes casos é essencial referir que alguma doutrina defende o desaparecimento do indeferimento tácito. Isto por força do 67º/1a’ CPTA, que se diz ter vindo revogar o 109º CPA.

Não obstante, existe claramente um dever legal de decidir até ao momento em que a AP pratique efectivamente o acto, quando esta tenha sido chamada a actuar pelo particular (nomeadamente através de pedidos de actuação, licenciamento, etc.).

Relativamente ao caso em apreço B pediu que lhe fosse atribuída uma licença de moradia a construir. Ora tendo o seu pedido apresentado a 16/06/2008, não tinham ainda passado à data de 16/07/2008 os 90 dias que a AP tem para decidir o respectivo pedido – 109º/1, 2 e 3a’ CPA. Consequentemente não parece ter nascido ainda na esfera jurídica de B a possibilidade de propor acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido. Não há, àquela referida data, uma omissão constituída e concretizada passível de ser sujeita a juízo.

No que se refere à legitimidade, entendemos que B seja claramente legítimo activo de acordo com o 68º/1a’ CPTA.

Quanto ao prazo, pode ver-se claramente que B ainda estaria apto a propor acção, visto que o ano previsto no 69º CPTA só começa a contar a partir do decurso dos 90 dias do 109º/2 CPA. Ainda no que concerne a este prazo do 69º CPTA existe uma curiosa divergência doutrinária: Vieira de Andrade (VA) entende que sempre que o indeferimento expresso seja nulo (ou se considere ser nulo) há aplicação analógica do 69º/1 CPTA, havendo apenas o prazo de um ano para se poder intentar a acção de condenação à prática do acto devido; já Mário Esteves de Oliveira (MEO) entende diferentemente que tendo em conta a invalidade em casa deve considerar-se não haver prazo para propor acção, podendo esta ser proposta a todo o tempo. Tendemos a seguir a opinião de VA, já que nos parece que a posição de MEO pode levar a um “abuso” por parte dos particulares, designadamente nas situações em que não haja previsão legal do tipo de vício que respeita ao acto, devendo ser o tribunal a pronunciar-se sobre o mesmo.

Tendo em conta o exposto damos razão à Câmara Municipal (CM) quando alega haver falta de pressuposto por não ter decorrido o prazo para a decisão.

Acrescentamos que se nesta sequência a CM tivesse proferido um indeferimento expresso, poderia B:

1. Impugnar, em primeiro lugar o acto de indeferimento expresso, e posteriormente pedir a condenação à prática do acto devido (chama-se aqui à colação a possibilidade do juiz poder orientar o autor neste sentido – 51º/4 CPTA que decorre ainda que indirectamente do princípio de pro actione do artigo 7º CPTA);

2. Propor concomitantemente as duas acções cumulando as suas pretensões, sendo que a acção seguiria a forma de acção administrativa especial. Trata-se aqui de uma cumulação de pedidos admissível à luz do 47º/1, 2 a’ e 46º/ 2 a’ CPTA, sendo que passa ainda no crivo do 4º/2 a’ CPTA. Para tal teria que respeitar o prazo de três meses exigido pelo 69º/2 CPTA.

A cumulação inicial ou superveniente é essencial para que os particulares obtenham plena satisfação quanto às suas pretensões. Contudo se por alguma razão o particular não cumular este tipo de pedidos, o nosso legislador confere a hipótese de em sede de execução, quando se tenha proposto uma acção de impugnação de acto administrativo, se proceder a esta cumulação. Tal ocorrerá, porque na ausência daquele tipo de cumulação proferem-se sentenças anulatórias que podem não ser suficientemente descritivas de como deve a AP actuar, sendo necessária essa concretização para que o particular veja respeitado o seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva (268º/4 CRP).

CASO II

O caso é referente a uma acção de condenação à prática do acto devido: o acto de pagamento de um subsídio (66º, 67º/1a’ CPTA). A acção é tempestiva por estar dentro do prazo de um ano previsto no 69º/1 CPTA.

Um dos problemas a discutir neste caso é saber se o que o Ministério da Agricultura alegou podia ser objecto de acção de condenação à prática do acto devido (66ºss. CPTA): A não tinha qualquer direito ao subsídio.

Cabe-nos precisar que não se pode confundir um direito ao subsídio com um pagamento de subsídio. Este último sim, configura um acto administrativo. Deste modo, só poderá haver acção de condenação à prática do acto devido quando haja um deferimento quanto ao pedido de subsídio.

Para além disto, não se deve considerar procedente a argumentação do Ministério da Agricultura no que diz respeito à desadequação do meio utilizado por A. Na verdade o que é pretende é que se produzam efeitos jurídicos, o que significa que A procedeu bem quando adoptou o meio referido. Não se está diante uma situação em que o particular pretenda produção de efeitos meramente materiais, situação esta que deve ser submetida a uma acção comum, nos termos que vimos no caso anterior.

Assim, o ministério tinha o dever de decidir. Este dever de decisão não tem que ser, contudo, favorável ao particular. O direito que se constitui na esfera jurídica de A é precisamente um direito à apreciação da sua pretensão em obter um subsídio.

CASO III

Em causa está um acto de conteúdo negativo, que pode ser também alvo de acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido – 67º/1b’ CPTA.

Em conformidade com o 66º/3 CPTA pode ser requerida uma sanção pecuniária compulsória. Contudo tal sanção não é automática, sendo o tribunal que deve decidir da sua aplicação – 169º/1 e 3º/2 CPTA. Levanta-se aqui uma questão importante: a sanção compulsória só pode ser aplicada ao órgão competente. Ora, o particular pretende que seja aplicada ao Presidente da CM. Tem que se aferir em concreto qual o órgão competente para atribuir a licença, para que haja uma efectiva coincidência entre a sanção e a eventual condenação que advirá da acção de condenação à prática do acto devido.

Deve ainda problematizar-se o facto de o particular pretender obter a licença por decisão judicial. Se a decisão de atribuição da referida licença não for um exercício vinculado, por decorrer directamente da lei, então dificilmente o tribunal poderá vir a condenar a CM a emitir uma licença. A única poder que o tribunal terá será em obrigar a CM a decidir e a apreciar a emissão da licença. É neste sentido que estabelece o 71º/2 CPTA. Deve haver como se sabe um respeito por parte dos tribunais relativamente ao que seja espaço livre para a AP decidir, invocando-se aqui o princípio da separação de poderes. Isto porque perante uma situação, pode a AP actuar legítima e legalmente de duas ou três formas que sejam legalmente admissíveis (margem de livre apreciação). Também pode acontecer que em determinados casos no plano material a discricionariedade da AP se veja reduzida a uma só possível actuação. A AP tem ainda discricionariedade no preenchimento de conceitos indeterminados.


Helena Casqueiro, subturma 7

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