terça-feira, 25 de maio de 2010

Necessidade ou desnecessidade do recurso hierárquico necessário?



O art.167º/1 CPA consagra a noção de recurso hierárquico necessário ou facultativo, consoante o acto a impugnar seja ou não insusceptível de recurso contencioso. A grande questão que aqui se coloca, já não diz respeito nem à existência e nem à produção de efeitos do acto administrativo, mas tão somente, quanto à respectiva impugnabilidade contenciosa, constituindo um mero pressuposto processual. O prazo para a interposição de recurso de recurso hierárquico necessário é de 30 dias, sempre que a lei não estabeleça um prazo diferente (art.168º/1 CPA). Como importante efeito a referir, é o facto de que este recurso suspender a eficácia do acto recorrido, salvo se a lei dispuser em contrário ou se o autor do acto considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público (art.170º/1 CPA).

Sobre este assunto pronuncia-se Vasco Pereira da Silva, ao “saudar a orientação do legislador no sentido de determinar a impugnabilidade dos actos administrativos em razão da eficácia externa e da lesão de direitos dos particulares, afastando assim expressamente toda e qualquer exigência do recurso hierárquico necessário, ” tal como consta no art. 51º CPTA”. Este defende claramente a desnecessidade do recurso hierárquico necessário, e mais do que isso, defende a inconstitucionalidade da regra deste recurso, apresentando uma série de argumentos que têm por base a violação de princípios constitucionais:
• art. 268º/4 CRP - princípio da plenitude da tutela dos direitos dos particulares;
• o art. 114º, 205º e 266º da CRP - o princípio da separação entre a Administração e a Justiça;
• o art. 267º/2 CRP - o princípio da desconcentração administrativa
• Art.268º/4 - o princípio da efectividade da tutela.

Com a reforma, o legislador veio declarar de modo claro e expresso, que o recurso hierárquico tornou-se desnecessário como condição de acesso a justiça administrativa. O professor Vasco Pereira da Silva, acrescenta ainda aos seus argumentos "a atribuição de um efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo à utilização de garantias administrativas, como dispõe o art.59º/4 CPTA. O que quer dizer que, a ser assim, é conferida uma maior eficácia à utilização de garantias administrativas, na medida em que, cabe ao particular a decisão de optar previamente por essa via, tendo já consciência que o prazo para a impugnação contenciosa só voltará a correr depois da decisão do seu pedido de reapreciação do acto administrativo. De acordo com o professor, o legislador poderia ter ainda determinado o efeito suspensivo da própria execução de decisão administrativa, generalizando o regime jurídico que se encontra estabelecido para os casos de recurso hierárquico necessário, a todas as garantias administrativas. Por fim, pode ainda argumentar-se “que mesmo nos casos em que o particular utilizou previamente uma garantia administrativa e beneficiou da consequente suspensão do prazo de impugnação contenciosa, isso não impede a possibilidade de imediata impugnação contenciosa do acto administrativo”. Isto é, tendo em conta que, o particular consegue sempre aceder de imediato à via contenciosa, independentemente de ter feito uso ou não da via graciosa, é claramente perceptível desnecessidade de recurso hierárquico.
Conclui-se deste modo, que todas as garantias administrativas passaram a ser facultativas deixando de depender delas o acesso ao juiz.

Por sua vez, Mário Aroso de Almeida também toma posição neste assunto, defendendo uma interpretação restritiva deste regime jurídico, na qual “se estaria aqui apenas perante uma revogação da regra geral da existência de recurso hierárquico necessário, mas que ela não implicaria a revogação de eventuais regras especiais que consagrassem tal exigência, quando existissem, nem afastaria a possibilidade do estabelecimento de similares exigencias em lei especial." Para este, as decisões administrativas permanecem ainda sujeitas a impugnação administrativa necessária quando esteja expressamente previsto na lei, em resultado de uma ponderaçao consciente do legislador, quando este a considere justificada. O professor Vasco Pereira da Silva não concorda com esta posição dizendo que é incompativel a" regra geral da admissibilidade de acesso à justiça, independentemente de recurso hierárquico necessário, com as regras especiais que supostamente manteriam tal exigência." Como justificaçao temos o facto de estarmos perante uma contradição, pois não faz sentido continuar a ser exigido o recurso hieráquico como condição prévia de impugnação, mesmo quando este não pode se quer continuar a ser considerado pressuposto processual ou condição de impugnaçao.
Do ponto de vista constitucional Vasco Pereira da Siva afirma é impossível " justificar depois da concretização legislativa do direito fundamental de acesso à justiça administrativa, mediante a consagração da regra da desnecessidade de impugnação administrativa prévia ao acesso ao juiz, pudessem existir excepções a um tal regime, levando à criação de uma espécie de contencioso privativo de certas categorias de actos administrativos, em derrogação ao regime geral, conforme à constituição".
Em suma, para Vasco Pereira da Silva a melhor solução seria, " compatibilizar os regimes jurídicos do procedimento e do processo, e isso passaria pela revogação expressa das disposições que prevêem o recurso hierárquico necessário ao mesmo tempo que procedesse à generalização da regra de atribuição de efeito suspensivo a todas as garantias administrativas". Esta solução resolveria todos os interesses relevantes, quer do particular, quer da Administração e, quer do bom funcionamento do sistema de justiça.

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