terça-feira, 25 de maio de 2010

A relação jurídica administrativa como uma referência para o CPTA

A jurisdição administrativa (e fiscal) está constitucionalmente delimitada como tendo por objecto os litígios emergentes de relações jurídicas e administrativas (e fiscais).


Quanto à origem histórico-legislativa, a relação jurídica administrativa, fez a sua primeira aparição ao nível legislativo, como critério de delimitação da jurisdição administrativa, no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais integrado na reforma do contencioso administrativo de 1984/1985, que inclui igualmente a aprovação da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos.


Os artigos 3.º, 4.º, e 9.º do ETAF/84 operaram a consagração da relação jurídica administrativa “minimalista”, no quadro de uma jurisdição ainda muito limitada face à jurisdição judicial, entendida ainda como jurisdição comum, única com os meios capazes de oferecer suficiente protecção aos direitos dos particulares.


A Revisão de 1989, operou uma verdadeira revolução na matéria do contencioso administrativo, sendo possível indicar como uma das suas linhas de força a valorização da jurisdição administrativa, expressa na introdução da garantia institucional da existência de tribunais administrativos e fiscais (até aí apenas facultativos), conjugada com a atribuição, a tais tribunais, de jurisdição sobre os litígios relativos a relações jurídicas administrativas e fiscais.


Em 1992, ocorre um novo momento relevante no percurso da relação jurídica administrativa ao nível legislativo, com a entrada em vigor do Código do Procedimento Administrativo, não adoptando como critério explicativo fundamental a relação jurídica administrativa. Todavia, permitiu a entrada da ralação jurídica administrativa na definição de contrato administrativo, que foi definido como “o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa” (178.º/1 do CPA).


Actualmente, a relação jurídica administrativa surge como critério para a delimitação do âmbito da jurisdição (arts. 1.º e 4.º do ETAF), e também como um verdadeiro conceito central do sistema de justiça administrativa em Portugal.


Saliente-se ainda que a relação jurídica administrativa, além de determinar o âmbito da jurisdição, serve de referencial básico da estruturação dos meios processuais, com destaque para a forma clara como isso resulta:
· No âmbito da acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido, se disser expressamente que, mesmo quando a Administração haja praticado acto de indeferimento expresso, o objecto do processo é a pretensão do interessado (relação subjacente), tal como no modelo alemão (art. 66.º/2 do CPTA);
· Manifesta abertura ao dinamismo da relação jurídica administrativa, nomeadamente com as diversas situações de possibilidade de alteração do objecto do processo quando este já esteja em curso, repercutindo-se a relação substantiva na relação processual (artigos 48.º, 63.º a 65.º e 70.º do CPTA);
· A possibilidade de cumulação de pedidos, pois a actividade administrativa pode desenvolver-se nos seus diversos momentos, através de actos, contratos, regulamentos, operações materiais, cujo tratamento separado não reflecte a relação substantiva mantida entre a Administração e os cidadãos (artigos 4.º, 47.º, 61.º do CPTA);
· Valoriza-se claramente a relação jurídica administrativa ao nível da atribuição de legitimidade processual, não só na regra geral do art. 9.º/1 do CPTA, mas também nas regras específicas da legitimidade, entre as quais se pode chamar a atenção para o artigo 40.º, que atribui legitimidade processual a diversas categorias de “terceiros”.


Importa agora, compreender o conceito de relação jurídica administrativa, nomeadamente no que toca a saber qual a abertura de tal conceito.
Para GOMES CANOTILHO, critério qualificante da relação jurídica administrativa é o facto de a mesma ser regida por normas jurídico-administrativas.


Já para o Professor SÉRVULO CORREIA entende-a como “sistema complexo de situações jurídicas activas e passivas, interligadas em termos de reciprocidade, regidas pelo Direito Administrativo e tituladas pela Administração e por particulares ou apenas por diversos pólos finais de imputação pertencentes à própria Administração”


VIEIRA DE ANDRADE defende, já em face ao artigo 4.º do novo ETAF, sugere que se adopte uma noção “prudente” da relação administrativa, que seria, no entender do Autor, a tradicional relação jurídica administrativa “no sentido de relação de direito administrativo”, quanto à definição de relação jurídico-pública, opta o Autor por um critério que qualifica como estatutário, que combina sujeitos, meios e fins, em que um dos sujeitos pelo menos seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.


Também CARDOSO DA COSTA, dá conta da definição “tradicional” de direito administrativo como sentido aquele que rege a administração pública em sentido “compósito”, constituída por um elemento subjectivo ou orgânico (os órgãos administrativos), e por um elemento funcional, ligado a uma actividade ou função materialmente administrativa; este segundo elemento determinaria, com efeito, a qualificação do direito que a regula como Direito administrativo, mas apenas se fosse “acrescentada”, por assim dizer, ao “substrato” orgânico-subjectivo.


Quanto a COLAÇO ANTUNES, defende que o traço característico da actuação da Administração Pública é o da mesma “vir sempre referida à prossecução do interesse público (mesmo servindo-se do direito privado) e a uma situação de imposição de autoridade de consequências jurídicas”. Sendo por isso, a existência de um poder de autoridade juridicamente atribuído à Administração, um pressuposto da relação jurídica administrativa.


No que concerne à jurisprudência, importa ter em conta quer a posição do Tribunal Constitucional, quer a do Supremo Tribunal Administrativo.


Quanto ao primeiro, este entendeu no Acórdão n.º746/96, de 29 de Maio de 1996 (Processo n.º 317/95 1.º secção), as relações jurídicas administrativas como “as relações jurídicas que sejam de direito administrativo (relações jurídicas administrativas públicas ou em que um dos sujeitos, pelo menos, actue na veste de autoridade pública, munido de um poder de imperium, com vista à realização do interesse público legalmente definido)”.


O Supremo Tribunal Administrativo, por sua vez, num Acórdão de 19.11.2003, processo n.º 1465/02, entendeu que “ as relações jurídicas administrativas existem quando a lei confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante particulares, ou (…) atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração”.


Contudo um sector da Doutrina, vem sugerindo uma alteração de paradigma, em relação às posições anteriores, e em relação aos conceitos de Direito administrativo e Administração Pública. Pois agora chega-se mesmo a questionar a fronteira entre o Direito Público e o Direito Privado, podendo assim ser alcançado um entendimento alargado da relação jurídico-administrativa, sendo possível por isso, abranger a actividade administrativa levada a cabo através de formas privadas.


Desta forma, o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, entende que as relações jurídico-administrativas são “as concretas ligações entre os privados e as autoridades administrativas (ou entre as próprias autoridades administrativas), criadas por um qualquer facto (actuação da administração ou do particular, contrato, evento natural, etc.), juridicamente relevante, e tendo por conteúdo direitos e deveres previstos na Constituição e nas Leis, ou decorrentes de contrato, ou de actuação unilateral da Administração”.


Em suma, só assim poderemos compreender a redacção dada pela Lei n.º59/2008, de 11 de Setembro, com a entrada em vigor a 01-01-2009, ao artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, percebendo assim também, a alteração de paradigma, que o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA nos propõe.



BIBLIOGRAFIA
· LEITÃO, ALEXANDRA, A protecção Judicial dos Terceiros nos Contratos da Administração Pública, Coimbra: Almedina, 2002.
· ASCENSÃO, JOSÉ DE OLIVEIRA, Teoria Geral do Direito Civil, vol.IV, Título V. Lisboa, 1993, p.25.
· CANOTILHO, GOMES, Relações jurídicas poligonais, in RJUA, n.º1, 1994, p.56. CANOTILHO, GOMES / MOREIRA, VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra: Coimbra Editora, 3ª Edição, 1993, p. 815.
· ANDRADE, VIEIRA DE, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2009.
· COSTA, CARDOSO DA, “A jurisprudência constitucional portuguesa em matéria administrativa”.
· SILVA, VASCO PEREIRA DA, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, 2003.
· ANTUNES, COLAÇO, A Teoria do Acto e a Justiça Administrativa – O Novo Contrato Natural, Almedina, 2006.

Catarina Pinho, 16552, subturma 8

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