segunda-feira, 17 de maio de 2010

Parecer do Ministério Público - Subturma 8

Exmo. Juiz de Direito do Tribunal Administrativo de Círculo de Cascos de Rolha

Processo: 50666/10

Os Magistrados do Ministério Público junto deste Tribunal Administrativo, notificados nos termos e para efeitos do art. 85 n.º 2 do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro), vêm por este meio emitir parecer sobre o mérito da causa:

Na Petição Inicial interposta pelos autores Luís Sindicalista, casado, 58 anos, funcionário público, com residência na Rua das Bolotas, nº13, concelho de Cascos de Rolha, portador do Cartão do Cidadão nº 01234567 e António Atento, 48 anos, funcionário público, com residência na Rua Alheira, nº7, concelho do Madeiro, titular do Cartão do Cidadão nº 14789138, foram deduzidos os seguintes pedidos, contra o Instituto do Emprego e Formação Profissional, sito na Rua da Apanha do Caracol, nº19, Cascos de Rolha:

1- Anulação das duas nomeações para o cargo de Director do Centro e Emprego e Formação Profissional de Cascos de Rolha;
2- Condenação à prática do acto devido (abertura de procedimento concursal);

Por outro lado, António Atento, na mesma acção, deduziu contra Manuel Venham Mais Cem, Presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional, um pedido de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado.
Perante isto, cabe-nos, enquanto Magistrados do Ministério Público, avaliar estes pedidos ao abrigo das competências atribuídas pelo artigo 85º e dentro dos seus limites.

Pedido de Anulação das Nomeações para o Cargo de Director do Centro e Emprego e Formação Profissional de Cascos de Rolha:


1. Admissibilidade:

Estamos perante um acto de nomeação para um Cargo da Administração Pública, mais especificamente, para o cargo de director do centro e emprego e formação profissional de Cascos de Rolha. Esta nomeação está sujeita ao preenchimento dos requisitos impostos pela Lei 2/2004 de 15 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei 51/2005, de 30 de Agosto (em especial, artigos 20º e 21º que estabelecem a obrigatoriedade da abertura do procedimento concursal). Todavia, aqui tem especial relevância a nomeação feita em regime de substituição (art. 27º da referida lei).

Uma vez que os autores requerem a impugnação desde acto, em princípio, estaremos perante um acção administrativa especial, mais especificamente, uma acção de impugnação do acto administrativo, nos termos dos artigos 46º, nº2, alínea a) e 50º e seguintes do CPTA), cabendo agora analisar se este acto administrativo pode ou não ser impugnado, isto é, se a acção administrativa especial é o meio adequado.

Em primeiro lugar, uma nomeação constitui um acto administrativo primário constitutivo de situações jurídicas, pois implica a investidura de alguém numa certa categoria legal da qual deriva um estatuto específico que inclui posições jurídicas activas e passivas (cf. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2007, p.100).

No caso em apreço, estamos perante duas nomeações da mesma pessoa para o mesmo cargo, sendo que ambas as nomeações foram feitas em regime de Substituição, tais nomeações são impugnadas pelos autores.

As nomeações

A “1ª nomeação” deu-se por causa de uma vacatura no já referido cargo, o que se afigura admissível, nos termos do artigo 27º, nº1, in fine, da Lei 2/2004.Quanto a esta, em regime de substituição, teve lugar no dia 21 Janeiro de 2010, tendo sido publicada no dia 23 Janeiro no Diário da República (de acordo com ponto 7 da Contestação), nos termos do art. 21º, nº10 por remissão do 27º, nº2 da Lei 2/2004. De acordo com o nº 3 do artigo 27º, primeira parte, o prazo de vigência desta nomeação é de 60 dias. Assim a referida caducaria a 22 de Março de 2010.

Quando a 21 de Março de 2010, João Sempre Disponível é reconduzido ao cargo supra mencionado, será que se trata de um caso de segunda nomeação ou uma prorrogação da primeira?

O artigo 27º, nº 3 da referida lei, ressalva na sua segunda parte, a possibilidade de a nomeação continuar para além dos seus 60 dias de vigência, no caso de já ter sido iniciado o procedimento concursal. No nosso entender e uma vez que teve início o procedimento concursal a 16 de Março, e a nomeação em substituição caducaria a 22 de Março, este início de concurso ainda decorreu no prazo da referida nomeação.

Deste modo, consideramos que será aplicada a ressalva do 27º, nº3 segunda parte, isto é, não será aplicável o prazo de 60 dias de caducidade (a nomeação não caducará a 22 de Março). A nosso ver, estamos exclusivamente perante uma única nomeação, nomeação essa que será prorrogada por mais de 60 dias, de acordo com uma aplicação analógica dos 60 dias iniciais de caducidade. Optamos por esta aplicação analógica, dentro da mesma sistemática do artigo 27º que faz sempre referência a 60 dias, sendo que essa prorrogação não podia ser infinita, sob pena de fraude à lei.

Deste modo, a nomeação é prorrogada caducando apenas a 21 de Maio. Importa ainda referir que esta prorrogação, por nós entendida, não é de todo um acto confirmativo, tal como a Contestação refere no ponto 6. De facto, estamos perante um acto secundário, que por sua vez vem regular, um acto administrativo primário, nomeadamente a nomeação em regime de substituição, não obstante este acto secundário vem prorrogar efeitos obstando à caducidade de um acto anterior. Sendo que esta prorrogação tem efeitos inovatórios, não ao nível material, mas ao nível temporal.

Concluímos assim, que a nomeação e consequente prorrogação feita não será impugnável e, uma vez que não estamos perante um acto lesivo nos termos do 51º/1 do CPTA. Senão vejamos: a nomeação é validamente realizada, no termos do 27º/1 da Lei; fora aberto concurso, o que tornou admissível a prorrogação, por um limite máximo, a nosso ver de 60 dias, ou seja o prazo de caducidade dessa nomeação será de 120 dias. Prazo esse, que não admite uma segunda prorrogação, também não sendo possível uma segunda nomeação em substituição. Regime este transitório e não lesivo.

2. Legitimidade Activa

Após a análise acima referida, concluímos pela não existência de legitimidade, em relação aos autores. Uma vez que não estamos perante um acto impugnável.

No entanto se ficar provado que não houve concurso público, estamos perante um acto impugnável, nos termos do 51º do CPTA, quanto à segunda nomeação. Tal como supra referido, a primeira nomeação continua a ser inimpugnável, uma vez que mesmo sem haver concurso público é possível a nomeação em substituição, de acordo com o preceito legal, que caducará 60 dias após a nomeação, 27º/3 1ª parte, também da lei não é possível retirar a existência de uma segunda nomeação. A segunda nomeação, existindo, será lesiva. Uma vez que viola a disposição que torna obrigatório a existência de concurso, nos termos do artigo 20º da Lei. Lesando a expectativa do Atento em concorrer, nos termos do 51º do CPTA. Expectativas estas, que se fundam, nos pontos 9 e 22 (matéria de facto da Petição Inicial).

No que concerne, à legitimidade, no caso de ficar provado em sede de julgamento a inexistência de concurso púbico, iremos analisar quanto a cada um dos autores:

• Quanto à legitimidade de António Atento, parece-nos que está plenamente justificada na alínea a) do nº1 do artigo 55º, uma vez que este é titular de um interesse pessoal e directo, pois configura-se como o titular da posição jurídica de vantagem sobre a entidade demandada. Como tal, António Atento tem legitimidade activa com vista à defesa dos seus interesses próprios que terão sido lesados.

• Quanto à legitimidade de Luís Sindicalista, parece-nos que estamos perante uma situação de ilegitimidade. Em primeiro lugar, quanto à alínea a) do nº1 do 55º, para que haja legitimidade é preciso que o acto (nomeação) esteja a provocar, no momento da impugnação, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, de forma que a anulação ou declaração de nulidade desse acto conduza, pessoalmente, a este uma vantagem directa e imediata. Contudo, neste caso, não há interesse processual impugnatório, pois o benefício resultante da anulação ou declaração de nulidade do acto não se repercute de imediato na esfera de Luís Sindicalista. Isto é, este não retira qualquer utilidade ou benefício específico e imediato no caso de a acção ser julgada procedente pois não comporta uma posição jurídica de vantagem. Em segundo lugar, poder-se-ia discutir se estaríamos perante uma situação da alínea f) do nº1 do 55º (em conexão com o nº2 do art. 9º), isto é, se poder-se-ia atribuir a Luís Sindicalista uma legitimidade baseada na acção popular. Apesar de ser possível uma pessoa em nome próprio fazer uso da acção popular, parece-nos que a situação aqui descrita não é enquadrável em nenhum dos interesses previstos na parte final do nº2 do art.9º, até porque não conseguimos configurar a pretensão de Luís Sindicalista num bem constitucionalmente protegido, desta forma concluímos pela não admissibilidade da acção popular.

Nesta medida, estamos perante uma excepção dilatória que, nos termos do 89º, nº1, alínea d) constitui um obstáculo à apreciação do mérito da causa, sendo adequada a absolvição do réu da instância, uma vez em que obsta ao prosseguimento do processo, nos termos da alínea d) do nº1 do artigo 89º, e nº4 com a devida remissão para o nº4 do artigo 88º.

Pedido de Condenação:

Em primeiro lugar, os autores deduzem um pedido de condenação da administração à prática do acto devido, tendo por base a abertura de procedimento concursal que foi preterido por esta aquando da recondução de João Sempre Disponível ao cargo de director (66º e seguintes do CPTA). Contudo, aqui trata-se de avaliar se houve ou não uma omissão da prática do acto administrativo devido, por outras palavras, se houve ou não abertura do concurso público obrigatório (nos termos do artigo 20º e 21º da Lei 2/2004).

Por um lado, os autores referem que não houve abertura de concurso (nº15 da Matéria de Facto da Petição Inicial), enquanto que os réus defende que houve abertura de concurso, mas este por certas razões teve de ser adiado (nºs 4, 5 e 6 da Matéria de Facto da Contestação). Assim, uma vez que estamos perante uma situação que depende de produção de prova, pois é uma facto controvertido, e visto que não temos competência para valorar as situações de facto (nos termos do artigo 85º do CPTA), limitamo-nos a deduzir um raciocínio lógico.

Desta forma, a nosso ver os autores alegando que estamos perante um acto ilegal e inadmissível deviam junto ao articulado respectivo fazer prova do mesmo facto que alegam, nos termos da alínea l) do nº2 do artigo 78º, uma vez que não houve uso da dispensa de produção de prova do nº4 do artigo 78º. Perante isto, poderá haver lugar a despacho saneador nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 87º.

Contudo, perante esta falta de produção de prova no articulado devido, os autores deverão até ao final da primeira instância apresentar os documentos que comprovem a sua teoria, pagando a respectiva multa (nos termos do nº2 do artigo 523º do Código de Processo Civil, por remissão do 1º do CPTA), uma vez que aqui o ónus da prova cabe aos autores, visto que por força do princípio do dispositivo é a eles que cabe o impulso processual. Resta referir que se tal não acontecer, dá-se a absolvição dos réus do pedido, por via do artigo 516º do CPC, uma vez que não sendo provado o facto que se alega deve tomar-se por principio a sua não verificação. Por conexão, chamamos à colação o artigo 346º, in fine do Código Civil.

Neste contexto o pedido formulado pelos autores é manifestamente improcedente por falta do pressuposto essencial ao pedido de condenação à prática do acto devido, isto é, a omissão de um acto legalmente devido (66º, nº1 do CPTA), uma vez que houve abertura do concurso. Contudo, visto que o concurso foi adiado, haverá possibilidade um despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial ao abrigo dos artigos 508º, nº1, alínea b) e 510º, nº1, alínea a) do CPC, por remissão do artigo 1º do CPTA, sendo alterado o pedido para a condenação da administração à reabertura do concurso, tendo em conta que a omissão aqui, neste caso, traduz-se na inércia da administração e falta de celeridade da prossecução do concurso

Pedido de Indemnização:

Consoante a natureza e a importância dos valores lesados pelo comportamento, podem conceber-se várias espécies de responsabili¬dade:

— a responsabilidade criminal ou penal, consequência da prática de um crime, uma conduta muito grave, por pôr em causa valores decisivos da vida em sociedade;
— a responsabilidade disciplinar, resultante de um ilícito desta natureza;
— a responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, decorrente de um prejuízo causado alguém.

A responsabilidade que aqui nos interessa integra-se no âmbito desta última: é a responsabilidade civil extracontratual, isto é, a obrigação que recai sobre uma entidade envolvida em actividade de natureza pública que tiver causado prejuízos aos particulares (fora do contexto de uma relação contratual, evidentemente).

Não há, como se sabe, responsabilidade civil sem prejuízo.

O objectivo primeiro da responsabilização do Estado e de outras entidades envolvidas no exercício de actividades de natureza pública é a transferência do dano sofrido pelo cidadão para o seu causador. A reparação abrange toda a extensão dos prejuízos, os danos patrimoniais como os danos morais, e tanto os danos já ocorridos como os futuros (cfr. artigo 3.º, n.º3 da Lei 67/2007).

A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais dos entes públicos, por facto ilícito de gestão pública, assenta na verificação cumulativa dos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade entre este e o facto. Aqui torna-se particularmente relevante a Lei 67/2007 e na ausência de quadro normativo relativo aos pressupostos e condições do dever de indemnizar, a aplicação directa e irrestrita dos princípios da responsabilidade aquiliana (483º do CC).

Perante o nosso caso, os danos alegados pelos autores (patrimoniais e não patrimoniais) parecem não ter qualquer conexão com o facto de o processo de abertura do concurso para a admissão de novo director ter sido adiado. Os autores invocam esses danos tendo por base a não abertura do concurso público que, por sua vez, não provam. Note-se: é aos autores que cabe provar os danos, nos termos do 487º do CC, pois cabe ao lesado provar a culpa do autor da lesão. Assim, tendo por princípio a sua verificação, pois o contrário não ficou provado, não é compreensível como podem ter surgido danos, nem mesmo se decorressem do adiamento do concurso. Para além do mais, uma vez mais a parte alega que houve danos sofridos, mas uma vez mais não os prova. Assim, tendemos a sufragar a posição de que não ocorreram danos. Por outro lado, mesmo que estes existissem não encontramos fundamentos de como é que poderiam estar conexos com o concurso (teoria da causalidade adequada art.563ºCC).

Desta forma, a nosso ver não estão preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

Aspectos finais:

Devido a manifesta falta de provas e à panóplia de factos duvidosos, concluímos pela existência de concurso público, em virtude da aplicação do artigo 516º do CPC. Perante esta lastimável, incompreensível e negligente omissão do dever de anexar aos articulados as provas que fundamentam as pretensões alegadas (somos paladinos da legalidade democrática e não videntes), concluímos pela necessidade de serem realizadas diligências probatórias ao abrigo do 85º nº 2, nomeadamente quanto a existência ou não de concurso público e de danos causados ao Sr. António Atento.

Para além disso, antes de finalizar este parecer, gostaríamos de transmitir ao Exmo. Juiz de Direito a nossa perplexidade perante a apresentação de um atestado médico, pelos réus, que demonstra a perturbação psicológica de António Atento, tal como é dito na contestação no seu ponto 10 da matéria de facto, pois este é um documento pessoal, fazendo parte da relação sigilosa entre médico e paciente, suscitando dúvidas quanto à legalidade da sua obtenção.

Face ao exposto o MP considera:

Posto isto, deve a presente acção ser considerada improcedente.

Os Magistrados do Ministério Público:

Ana Catarina Matos,
Bárbara Azevedo,
Catarina Pinho,
Cristiano Dias,
Maria Barreiros,
Marina Mendes.

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