quinta-feira, 13 de maio de 2010

A "desnecessidade" do recurso hierárquico necessário

A acção de impugnação de actos administrativos, uma subespécie da acção administrativa especial, tem como função o controlo de validade dos actos administrativos, uma vez que nos termos do art.º 50 do CPTA “ A impugnação do acto administrativo tem por objecto a anulação ou declaração de nulidade ou inexistência do acto.”

Quanto à questão proposta na tarefa, importa em primeiro lugar definir o que será o recurso hierárquico necessário. Depois passar-se-á à análise da reforma do contencioso administrativo e em que medida esta veio tornar desnecessário (ou não) este tipo de garantia graciosa.

O recurso hierárquico necessário insere-se na categoria dos recursos graciosos e a impugnação do acto administrativo no âmbito dos recursos contenciosos. O recurso hierárquico necessário é um meio de impugnação de actos de autoridade e insere-se na função administrativa tendo por por fundamento a ilegalidade, a injustiça ou a inconveniência do acto recorrido. Quanto à natureza da decisão, decide-se por acto administrativo.

A questão proposta prende-se com a necessidade, antes da reforma do contencioso administrativo, de recurso hierárquico para se poder avançar para a impugnação do acto nos tribunais administrativos. Este recurso possibilitava ao particular recorrer à impugnabilidade contenciosa, sendo um pressuposto processual para se puder impugnar contenciosamente o acto (assim o art.º 167/1 CPA, que diz que “ recurso hierárquico é necessário consoante o acto a impugnar seja susceptível de recurso contencioso”). Em suma, era exigido que se esgotassem todas as garantias administrativas para que se pudesse aceder aos tribunais administrativos.

Já antes da reforma onde foi aprovado o novo Código de Processo dos Tribunais Administrativos, o Prof. Vasco Pereira da Silva, sustentava que o recurso hierárquico necessário seria inconstitucional. A justificação dada pelo professor seria que tal recurso violava o princípio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (art. 268º, nº 4, da CRP), dado que a inadmissibilidade de recurso contencioso, caso não existisse previamente o recurso hierárquico necessário, negava o direito fundamental do próprio recurso contencioso. Por outro lado dizia-se que a inconstitucionalidade da regra do recurso hierárquico necessário representava, também, a violação do princípio constitucional da separação entre a administração e a justiça (arts º. 114, 205 e seg., 266 e sg., da CRP), dado que fazia excluir o direito de acesso ao tribunal pela não utilização de uma garantia administrativa. A inconstitucionalidade da regra do recurso hierárquico necessário configurava, por fim, a violação do princípio da efectividade da tutela (art. 268º, nº 4, da CRP), em razão do efeito preclusivo da impugnabilidade da decisão administrativa, no caso de não haver interposição prévia de recurso contencioso, no prazo de trinta dias (art. 168º, nº 2, do CPA). Reduzia-se, dessa forma, o prazo de impugnação de actos administrativos. Prazo, que sendo curto, poderia equivaler à inutilização da possibilidade de exercício do direito, sendo susceptível de ser equiparada à lesão do próprio conteúdo do direito.

Importa ainda referir que a "necessidade" de recurso hierárquico não dizia respeito à existência, nem à produção de efeitos do acto administrativo, mas apenas à respectiva impugnabilidade contenciosa, constituindo um mero pressuposto processual daquele (como diz o Prof. Vasco Pereira da Silva), levando a que o acto praticado pelo subalterno e consequentemente o acto praticado pelo superior hierárquico fossem idênticos e produzissem os mesmos efeitos jurídicos. A sua exigência seria apenas necessária quando o particular quisesse contestar o acto judicialmente.

No entanto, tal problema veio a ser afastado pelo legislador aquando da reforma do contencioso administrativo, pois ao determinar a impugnabilidade dos actos administrativos em razão da eficácia externa e da lesão dos direitos dos particulares, este quis qualquer imposição de recurso hierárquico necessário. Nos dias de hoje, após a reforma, começa a entender-se que o CPTA afasta, sem qualquer dúvida o recurso hierárquico necessário, como pressuposto de impugnação dos actos administrativo, visto que o artº 51/1 do CPTA vem consagrar a impugnabilidade de qualquer acto administrativo que seja susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares ou que seja dotado de eficácia externa. Consequentemente os recursos graciosos passaram a ser sempre desnecessários.

Esta “desnecessidade” não veio significar que se o recurso hierárquico se tornou inútil, uma vez que os particulares podem, sempre que o entendam, optar pelo recurso hierárquico necessário. Aliás de acordo com o artº 59/4 sempre o particular o decida fazer, sabe que é atribuído um efeito suspensivo ao prazo para impugnação contenciosa, que só voltará a correr depois da decisão do pedido de reapreciação do acto. Tal facto leva a que o particular possa recorrer aos dois tipos de recurso sem ver excluído o seu direito de impugnação contenciosa pelo decurso do prazo. Nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva “ só assim as garantias administrativas podem funcionar como verdadeiros instrumentos de protecção subjectiva e de tutela objectiva, adquirindo uma função de composição preventiva de litígios contenciosos.” A regra será a de que, mesmo nos casos em que o particular utilizou previamente uma garantia administrativa e beneficiou da suspensão do prazo de impugnação contenciosa (artº 59/ 4 CPTA), não fica impedido de impugnar contenciosamente o acto administrativo, bem como de requerer a adopção de providências cautelares, que a seu ver são adequadas ( artº 59/ 5 CPTA).

Interessa ainda, a questão da compatibilização do regime jurídico do procedimento administrativo com o do processo administrativo. Entende a doutrina que a melhor solução seria a da revogação expressa das disposições que prevêem o recurso hierárquico necessário, por uma questão de segurança jurídica. No entanto enquanto o legislador não promover esta alteração ao CPA, o particular que se vir lesado, poderá a título transitório optar, pela impugnação hierárquica da decisão administrativa, sem fazer mais nada, aceitando o que daí resultar. Também poderá intentar a acção administrativa especial, acompanhada de pedido cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo ou proceder à previa impugnação hierárquica do acto, aproveitando a suspensão do prazo de recurso contencioso, usando depois se necessário e dependendo do resultado, a garantia graciosa. O particular poderá recorrer também imediatamente a tribunal, sem necessidade de esperar pela decisão do recurso hierárquico.

Estas soluções propostas pelo Prof. Vasco Pereira da Silva poderão resolver este problema de dualidade de regimes, enquanto o legislador não os vier uniformizar.

Conclui-se que a "necessidade" ou de qualquer outra garantia administrativa, não procede, pois acaba por não ser mais indispensável a sua utilização antes de se poder aceder ao contencioso administrativo (art.º 51/1 CPTA). Mais, mesmo que o particular opte por esta via administrativa, não será mais forçoso, que se espere pelo resultado do recurso para impugnar o acto administrativo.“Todas as garantias administrativas passaram a ser facultativas, deixando de se depender delas para o acesso ao juiz.”

Sofia Gomes de Sousa

Sub-turma 7

nº 16872

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