segunda-feira, 17 de maio de 2010

Particulares, a parte mais fraca na Acção especial de Impugnação de Normas Regulamentares?

As disposições legais, previstas nos art.º 72 e seguintes do CPTA, relativas à Impugnação de Normas Regulamentares, são muito criticadas pelo Prof. Vasco Pereira da Silva que as considera mais desfavoráveis aos particulares, quando comparado com o regime existente anteriormente à reforma do contencioso administrativo. Procurar-se-á fazer a análise, ao longo deste texto, dos poderes conferidos ao Ministério Público, com a uniformização do sistema de impugnação de regulamentos, face aos poderes dos particulares.

Poucos são os países que distinguem a impugnação do acto da impugnação de normas regulamentares. Aqueles que o fazem, como a Alemanha, prevêem meios processuais de alcance restrito, relativo a determinadas categorias de regulamentos. Ou seja têm escassa aplicação.

A existência destas normas de impugnação de regulamentos de alcance genérico é uma realidade recente do direito português (iniciada com a reforma de 1984/1985). Anteriormente, a reacção possível contra estas normas regulamentares seria através da via incidental, onde o regulamento era apreciado indirectamente ou através de declaração de ilegalidade do acto, um meio processual genérico. Por fim, podia-se também reagir através da impugnação de normas, um meio processual especial, que tinha um âmbito de aplicação limitado. Com a reforma do contencioso Administrativo este regime de dualidade processual unificou-se.

A Impugnação de normas regulamentares será aplicável a todas as actuações jurídicas gerais e abstractas ou que possuam apenas uma destas características, emanadas de autoridades públicas ou de particulares que com ela colaborem, no exercício da função Administrativa. Excluem-se os actos administrativos individuais e concretos mesmo que contidos em diplomas regulamentares, uma vez que o que importa será o conteúdo e não a forma do acto.

Esta subespécie da acção administrativa especial, que mantém a possibilidade de apreciação incidental dos regulamentos sempre que haja pedido principal de anulação de actos administrativos veio trazer a uniformização do regime. Nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva a dualidade de regime existente era “esquizofrénica”, já que os meios processuais anteriormente utilizados possuíam requisitos diferentes.

Com esta uniformização tomou-se como padrão a declaração de ilegalidade do acto, no entanto, foram introduzidas algumas alterações ao regime, bem como algumas restrições aos requisitos de apreciação das normas regulamentares.

Regra geral, a declaração de ilegalidade depende da existência de três casos concretos de recusa de aplicação de norma, com fundamento na sua ilegalidade (art.º 73/1 CPTA).

A questão que importa analisar será a do poder incondicionado do Ministério Público (MP), no que toca à impugnação regulamentar. Nos termos do art. 73/3 do CPTA, o MP acaba por ter um âmbito de actuação mais alargado de legitimidade, que os particulares. Refere o artigo que “o MP, oficiosamente ou requerimento (…), pode pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, sem necessidade de verificação da recusa em três casos em concreto…”. Isto significa que os seus poderes estão ampliados. O MP tem muito mais facilidade de intervenção, já que pode impugnar tanto normas jurídicas de eficácia imediata, como aquelas que dependem de um acto de execução. Para o Prof. Vasco Pereira da Silva, a acção privilegiada do MP põe em causa os direitos dos particulares, que têm que esperar por três casos concretos de não aplicação(art.º73/1) , ou que se trate de normas de aplicação imediata, no caso de estarmos perante situações suscitadas por acção popular (art.º73/2), para poderem intervir. Para o regente, não se compreende que seja privilegiada a posição do MP em detrimento da posição do particular. Aliás este tratamento desfavorável afigura-se mais rígido do que o sistema que vigorava antes da reforma, o que não se justifica já que a Constituição veio, na revisão de 1997, autonomizar o direito fundamental de impugnação de normas administrativas com eficácia externa lesivas de direitos ou interesses legalmente protegidos (art.º 268/5 CRP). Antes da reforma, o particular podia utilizar as várias alternativas acima apresentadas (via incidental, declaração de ilegalidade do acto e impugnação de norma). Com as alterações efectuadas verificou-se uma grande restrição das condições para impugnar normas regulamentares, por parte dos particulares.

Quem defende a acentuação do poder do MP, fá-lo dizendo que este actua para defesa da legalidade e do interesse público, estando em causa uma norma geral e abstracta. No entanto se esta é a razão, não se consegue perceber porque se diferencia as várias formas de intervenção por parte do actor público e do actor popular, se ambos procuram a defesa da legalidade e do interesse público. A haver diferenciação nas formas de intervenção das várias partes, deveria decorrer dos interesses defendidos pelos sujeitos processuais. Assim teríamos o particular de um lado e o Ministério Público e actor popular no outro.

Levanta-se também o problema da possibilidade do actor popular se poder constituir assistente do MP e nada vir referido quanto ao particular. O Prof. Vasco Pereira da Silva afirma, que no seu entender, o legislador trocou os papeis do actor popular com o dos particulares, pois os primeiros podem constituir-se assistentes do MP e os segundos já não, quando são estes o que têm verdadeira necessidade de o fazer. Para o regente a norma contida no art.º 73/3 do CPTA não faz sentido, já que o actor popular, que actua sem possuir interesse próprio na demanda, pode constituir-se assistente e o particular que foi lesado nos seus direitos pela norma jurídica, não o pode fazer.

A solução encontrada pelo professor será a interpretação correctiva do art.º 72/3 do CPTA de forma a considerar alargada ao particular, a possibilidade de se poder constituir como assistente do Ministério Publico nos processos que o justificam.

Conclui-se, que se por um lado, com a reforma do contencioso administrativo o Ministério Público se tornou um dos principais responsáveis pela impugnação de normas, por outro, os particulares viram ser restringidas as suas formas de actuação no âmbito desta subespécie da acção administrativa especial.

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