terça-feira, 25 de maio de 2010

Comentário a Acórdão – o Regime do artº 120º, nº1, al. a) CPTA

http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/8ec7a8abeedf947b8025771a003673c4?OpenDocument

No que à matéria analisada pelo Acórdão toca, cabe apenas analisar, por me parecer ser essa a questão que mais interesse suscita, os critérios de aplicação do artº 120º, nº1, al. a) CPTA. De facto, apesar da leveza com que a sua aplicação foi feita pelo Tribunal, a verdade é que certas matérias têm sido discutidas pela doutrina e merecem tratamento mais aprofundado. Cabe, portanto, por começar a fazer uma breve análise a este artigo procedendo, então, à crítica quanto à sua aplicação no Acórdão.
As providências cautelares, como refere o artº 112º, nº1 CPTA, podem ser antecipatórias ou conservatórias, conforme se traduzam «na imposição de uma ordem no sentido de a Administração adoptar as medidas necessárias para minorar as consequências do retardamento da decisão sobre o mérito da causa» ou em situações em que «o interessado pretende manter ou conservar um direito, evitando que ele seja prejudicado por medidas que a Administração venha a adoptar» (Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo Nos Tribunais Administrativos).
Sendo o seu objectivo assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, não basta, porém, para a sua procedência, que se preencha uma das alíneas do nº2 do artº 112º CPTA; exige-se, ainda, que se verifiquem um dos critérios do artº 120º, nº1 CPTA.
A doutrina tem feito, no entanto, uma distinção entre os critérios apresentados: se nas alíneas b) e c) se exige, tal como na alínea a), o fumus boni iuris (a aparência de bom direito, ou seja, a aparência de que a acção principal pode vir a proceder), se bem que com graus de exigência diferentes, apenas nas duas últimas alíneas é necessário que esteja verificado o pressuposto do periculum in mora.
Traduz-se este princípio no «risco de infrutuosidade ou do retardamento da tutela que poderá resultar da mora do processo», ou seja, na garantia ou na protecção da utilidade da sentença. A distinção supra referida tem por base a letra da própria lei: as alíneas b) e c) fazem depender a concessão da providência da verificação de um “fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses”, algo que não se verifica na alínea a).
Não julgo, no entanto, que assim deva ser entendido: na alínea a), mesmo com um maior grau de intensidade exigido pelo fumus boni iuris, se for feita uma interpretação sistemática (nomeadamente, com o artº 112º CPTA), continua a ser exigido o requisito do periculum in mora. Na verdade, se a utilidade da (futura) sentença não corre perigo, se o autor nada perder nem vir ser lesado qualquer direito seu enquanto aguarda pela decretação daquela, então não deverá ser concedida a providência, já que não se verificará qualquer interesse em agir nesta acção, dados os propósitos específicos para que se destina.
Por outro lado, tem sido também entendido, como bem refere Tiago Amorim (“As Providências Cautelares do CPTA: um primeiro balanço”, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 47, p. 42), que, de uma interpretação a contrario do artº 120º, nº1, al. a) CPTA, «se a providência deve ser decretada, sem mais, em caso de evidência de procedência, ela deve ser recusada, sem mais, em caso de [manifesta, acrescento eu] evidência de improcedência».
Feita esta breve análise introdutória ao regime do artº 120º CPTA, cabe proceder à exegese da aplicação do mesmo levada a cabo pelo Tribunal.
Como é possível observar no Acórdão, o Tribunal defende a tese de que, para aplicar o artº 120º, nº1, al. a) CPTA, devido ao maior grau de intensidade exigido para o fumus boni iuris, não se exige o periculum in mora (posição com a qual, como referi, não concordo).
Foi, então considerado que os argumentos utilizados pela Recorrente não consubstanciavam «qualquer falta de fundamento evidente da pretensão formulada no processo principal, ou seja, não existe evidência da ilegalidade da pretensão formulada, ou a existência de circunstâncias que obstam ao seu conhecimento de mérito (por manifesta ineptidão da petição inicial ali formulada), não havendo motivo para recusar a providência ao abrigo da al. a) do nº 1 do art. 120º do CPTA». Faltou, porém, uma análise mais detalhada ao “lado” do artº 120º do CPTA já que se referiu apenas que «a alínea a) do nº 1 do art. 120º do CPTA prevê um critério de decisão excepcional, já que, uma vez que esteja verificada a manifesta procedência da acção principal (o fumus boni iuris especialmente intenso), pode, desde logo, o tribunal determinar a adopção da providência requerida sem necessidade de mais indagações (nomeadamente sem ter de apreciar a existência do periculum in mora)».
É, portanto, quanto a este último ponto que discordamos claramente da análise do Tribunal; e por vários motivos. Desde logo, pela tese adoptada, como já expliquei atrás; em segundo lugar porque, como consequência da posição a que aderiu, o Tribunal não indagou da existência ou não do periculum in mora.
Repare-se que, como bem refere a Recorrente, dos dois candidatos ao concurso, nenhum reunia as condições necessárias e, como tal, foram ambos excluídos do processo de selecção, o que significa que, tendo terminado o prazo de apresentação de candidaturas, o concurso ficou sem objecto. Ora, assim sendo, a providência cautelar que procurava a suspensão dos efeitos da deliberação que excluía a Recorrida e do próprio concurso, não é necessária: repare-se que, independentemente de aquela ser intentada, as partes no processo vão ficar exactamente na mesma situação, porque ninguém foi escolhido, a ninguém foi adjudicada uma licença! Sendo assim, se a Recorrida optasse pela não instauração (com a sequente procedência) de uma providência cautelar, preferindo apenas aguardar a decisão da sentença principal, não iria causar-lhe dano, não iria provocar a «infrutuosidade» do seu direito ou da sua posição. Não se percebe, pois, como pode defender-se existir aqui alguma utilidade a retirar da procedência da providência.
Concluo a minha análise com um pequeno reparo à decisão do Tribunal, repito, apenas quanto a este ponto específico sobre o qual me debruço: não havendo risco de inutilidade do direito da parte, após a decisão final, sem a procedência da acção cautelar, isso significa apenas que não qualquer interesse em agir (apenas no que toca à providência cautelar) e, assim, considero estarem reunidos os pressupostos para se rejeitar a procedência da providência instaurada com base no artº 120º, nº1, alínea a) do CPTA.

Sem comentários:

Enviar um comentário