i) Origem
Em paralelo com as demais acções administrativas especiais, a declaração de ilegalidade por omissão da emissão de regulamentos teve um nascimento curioso e digno de registo. Podemos dividir o contributo para o seu surgimento em duas fases: a da concepção e da propagação.
A primeira podemos atribuir à capacidade de pensamento e de desenvolvimento intelectual de João Caupers, que defendia que a não actuação da Administração perante uma situação em que deveria exercer o seu poder regulamentar não poderia continuar sem consequências. Assim, João Caupers considerava que a “inércia regulamentar da Administração, para lá de um prazo suficientemente razoável, originava a violação do dever jurídico de regulamentar decorrente, expressa ou implicitamente, da norma legal”. Para além disto, acrescentara que quando tal inércia acontecesse, os tribunais administrativos deveriam poder proferir uma sentença onde se declarasse a violação do dever de regulamentar, para além de se poder estipular um prazo para produzir a regulamentação em falta, a pedido dos interessados directos ou do Ministério Público. Em forma de antecipação, foi “mais ou menos” isto que veio a ser consagrado no Código.
Por outro lado, temos outro contributo importante para esta questão, foi dado pelo Prof. Paulo Otero, que aquando da discussão da reforma, sugeriu que se criasse no contencioso administrativo um “mecanismo análogo” ao da inconstitucionalidade por omissão existente no “supremo” Direito Constitucional (art. 283º da CRP). Mecanismo esse que permitiria aos tribunais administrativos a possibilidade de darem conhecimento ao órgão competente de que se verificou a existência de uma ilegalidade por omissão de normas regulamentares.
Perante este caminho de “intensa insistência”, a Reforma do Contencioso Administrativo trouxe o nascimento, ainda que tímido (como veremos adiante), mas progressista, da Declaração de Ilegalidade pela Não Emissão de Regulamentos.
ii) Aspectos de Regime
O regime desta acção administrativa especial, ao contrário das demais, encontra-se num único artigo: 77º do CPTA. Apesar de se poder fazer referência à alínea d) do nº2 do art.46º do referido código, como consagração expressa de que estamos perante uma acção administrativa especial autónoma de qualquer outra, podendo seguir a forma de um pedido principal.
Neste contexto, no artigo 77º do CPTA, encontramos estipulada expressamente a possibilidade de se suscitar um pedido de apreciação da ilegalidade por omissão de normas regulamentares devidas. Para melhor analisarmos todo este mecanismo, por uma mera opção pessoal, dividiremos a análise em 3 partes: i) legitimidade; ii) conteúdo; iii) efeitos.
1- Legitimidade
A primeira questão que é pertinente analisar quanto ao regime desta acção administrativa especial prezasse com a pergunta: “Quem pode requerer esta acção?” . O nº1 do artigo 77º estipula logo na sua parte inicial quem tem legitimidade e se, por um lado, podemos ficar surpreendidos e satisfeitos com as semelhanças que encontramos em relação a outras acções administrativas especiais, por outro lado, ficamos algo confusos com as expressões utilizadas. Desde logo, o artigo estabelece que têm legitimidade: o Ministério Público (acção pública), as pessoas e entidades defensoras dos interesses referidos no art. 9º/2 (isto é, acção popular) e “quem alegue um prejuízo directamente resultante da situação de omissão”. É neste último que surge alguma confusão, senão vejamos. O artigo refere-se a alguém que tenha “um prejuízo” directamente resultante da omissão, o que leva o Prof. Vieira de Andrade a defender que este é um conceito bastante amplo e vasto e, como tal, deve entender-se que apenas se deve tratar de um “prejuízo directo e actual”. Na minha opinião, penso que o termo foi de uma utilização infeliz por parte do legislador, uma vez que a expressão “prejuízo” é pouco rigorosa e, em certa medida, pouco coerente com o espírito do código. Como tal, devido à similitude que faço entre a acção de declaração de ilegalidade por omissão de normas regulamentares e a acção de condenação à prática do acto devido (na sequência do pensamento do Prof. Vasco Pereira da Silva), como pode ser infra melhor explicitado, defendo a ideia de que deve ser feita uma interpretação ab-rogante do 77º/1 na parte em que diz “quem alegue um prejuízo directamente resultante da situação de omissão”, devendo ler-se o exposto no art. 68º/1-a) “quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido”, com vista a dar maior coerência e rigor ao preceito legal, evitando-se a amplitude imensa que comporta o termo “prejuízo”, uma vez que seria possível encontrar sempre alguém que tivesse um pequeno prejuízo possível; ao invés, adoptando o “direito ou interesse legalmente protegido” teremos de fazer o exercício jurídico de haver qual o direito em questão que a norma omitida visava proteger e quem é o verdadeiro lesado de acordo com o direito violado e não de acordo com a “aritmética” do prejuízo sofrido. O próprio Prof. Vasco Pereira da Silva, apesar de não se alongar, também deixa transparecer alguma “tristeza” pela opção tomada pela expressão “prejuízo”.
Posto isto, não encontramos justificações para que o legislador caracterize de forma diferente legitimidades de acções da mesma “categoria”, especialmente porque palavras e expressões diferentes nunca querem significar a mesma coisa e, neste preciso ponto, perante as nítidas parecenças não faz sentido o 77º ser diferente do 68º, aliás, nem compreendo o porquê de não haver uma remissão para este no que toca ao aspecto da legitimidade.
2- Conteúdo
Para que se possa concluir pela ilegalidade da omissão de normas regulamentares, temos de objectivamente concluir que houve um dever de regulamentar que foi definitivamente violado. Assim, prende-se a questão de saber de que forma pode resultar esse dever de regulamentar que foi omitido, tal pode, nomeadamente, acontecer de duas formas: por um lado, uma forma directa, isto é, esse dever de regulamentar resulta de forma expressa de uma determinada lei, por outro lado, uma forma indirecta, isto é, o dever de regulamentar decorre de uma remissão implícita para o poder regulamentar em virtude da incompletude do acto legislativo em causa. Esta última situação, no caso de haver uma omissão, é caracterizada pelo Prof. Vasco Pereira da Silva como a “omissão do dever de emissão de regulamentos de execução” (que visam completar e desenvolver um lei concreta).
Desta forma, teremos uma situação de ilegalidade da inércia da Administração quando existia, por estas formas, um dever de regulamentar e tal não aconteceu.
3- Efeitos
Posto isto, concluindo-se pela existência de um dever de regulamentar e tendo sido julgada a ilegalidade proveniente da não emissão do regulamento o que acontece? Bom, o nº2 do art. 77º vem estabelecer que a sentença que estipula a ilegalidade da omissão tem por efeito transmitir à entidade competente (que não emitiu o regulamento) que tem de suprir essa omissão, num prazo não inferior a 6 meses. Refira-se desde já que o Prof. Vieira de Andrade critica este prazo, considerando que seria melhor a estipulação de “um prazo razoável”, pois poderiam acontecer casos o em que fosse exigível que a omissão fosse suprida em menos de 6 meses, podendo esse limite mínimo não acautelar os interesses administrativos dignos de protecção jurídica. Na minha opinião, em parte o raciocínio do Prof. Vieira de Andrade é de adoptar, pois parece-me que o limite mínimo de 6 meses pode em certos casos compactuar com a omissão, na medida em que prolongaria ainda mais o prazo de espera pela emissão da norma e, em certos casos, o efeito da sua emissão já se ter-se-ia perdido. Contudo, uma expressão de “um prazo razoável” parece-me descabida, com o devido respeito, uma vez que se retirarmos os 6 meses e colocarmos essa expressão, por um lado, seria possível a emissão do regulamento antes dos 6 meses, mas por outro, a incerteza e a utilização casual dos prazos conforme o interesse da Administração poderia ser lesivo dos interesses dos particulares, visto que poderia demorar o tempo que achasse por bem para a emissão da norma, é imperial a existência da fixação de um prazo determinado. Perante isto, a meu ver, seria mais garantístico dos interesses públicos e particulares a continuação do estabelecimento do mínimo dos 6 meses, mas ressalvando-se a possibilidade de exigência de cumprimento da emissão do regulamento antes desse prazo quando as circunstâncias o permitissem e as posições jurídicas objectivas e subjectivas dos particulares o exigissem.
Depois desta análise, torna-se agora pertinente debruçarmo-nos sobre os efeitos jurídicos da sentença em sentido próprio, algo que origina confusões e algumas dúvidas. Assim, se, por um lado, a sentença que declara a ilegalidade da omissão parece ter apenas uma eficácia meramente declarativa, na medida em que se limita a dar conhecimento da existência de uma ilegalidade por omissão à entidade competente pela emissão, por outro lado, parece que também possui efeitos cominatórios, uma vez que prevê a tal fixação de um prazo casuístico (desde que não inferior a 6 meses) para a adopção das normas regulamentares omitidas. Perante isto, parece que podemos concluir duas coisas: primeiro, recuperando a inspiração do Prof. Paulo Otero referida supra (ligação à inconstitucionalidade por omissão), parece que a sentença que declara que a ilegalidade por omissão de regulamentos, feita pelos tribunais administrativos, é mais ambiciosa e progressista (ou utilizando a expressão do Prof. Vasco Pereira da Silva : “vai mais longe”) que a declaração de inconstitucionalidade por omissão de actos legislativos, feita pelo Tribunal Constitucional, na medida em que esta última apenas se limita a dar conhecimento da omissão ao órgão legislativo competente (não há uma estipulação de prazos para suprir essa falta) – veja-se o art. 283º, nº2; segundo, noutra perspectiva, recuperando o pensamento do Prof. Mário Aroso de Almeida, esta sentença que atesta a ilegalidade da omissão assemelha-se mais a uma sentença condenatória do que declarativa ou de simples apreciação.
iii) Perspectivas para o Futuro
Na sequência do que foi exposto, ficou demonstrado como a declaração da ilegalidade por omissão de normas regulamentares era necessária no Contencioso Administrativo português e como a reforma a instituiu e o CPTA a regula. Contudo, parece-me que este tema preza-se a algumas reflexões, na esteira do que faz, sucintamente, o Prof. Vasco Pereira da Silva.
A primeira conclusão a retirar-se é que esta inovação da reforma foi positiva, mas foi um pouco tímida e até “envergonhada”, na medida em que aceitou esta nova leitura e exigência, deu-lhe a conotação de acção administrativa especial, mas depois tratou-a no corpo da impugnação das normas regulamentares, originando a ideia de que estaria dependente desta, sem grande autonomia. Contudo, deve entender-se que apesar de ter um só artigo e estar sistematicamente inserido dentro da secção da impugnação de normas regulamentares que a declaração de ilegalidade por omissão é dotada de autonomia em relação àquela da mesma maneira que a condenação à prática do acto devido é autónoma em relação à impugnação do acto administrativo.
Isto leva-nos à segunda conclusão a retirar: no seguimento da doutrina do Prof. Vasco Pereira da Silva, não se vislumbra entraves ao estabelecimento da possibilidade de condenação da Administração na produção da norma regulamentar devida, tal como foi feito com os actos administrativos, criando-se uma acção de condenação na emissão de regulamento devido. Julgo ser este o futuro.
Perante isto, com a estipulação deste regime ao mesmo tempo tímido, inovador e progressista foi deixada aberta uma porta para que uma futura reforma ao contencioso administrativo português transforme esta declaração de ilegalidade por omissão numa verdadeira e renovada acção administrativa especial de condenação na emissão de regulamento devido. Uma evolução da figura que temos actualmente, representando uma transformação que origine maior importância jurídica e dignidade sistemática. Por isso, parece-me que a declaração de ilegalidade por omissão é o primeiro passo para a criação de uma acção administrativa especial similar à acção de condenação à prática do acto devido, mas desta vez para os regulamentos.
Em paralelo com as demais acções administrativas especiais, a declaração de ilegalidade por omissão da emissão de regulamentos teve um nascimento curioso e digno de registo. Podemos dividir o contributo para o seu surgimento em duas fases: a da concepção e da propagação.
A primeira podemos atribuir à capacidade de pensamento e de desenvolvimento intelectual de João Caupers, que defendia que a não actuação da Administração perante uma situação em que deveria exercer o seu poder regulamentar não poderia continuar sem consequências. Assim, João Caupers considerava que a “inércia regulamentar da Administração, para lá de um prazo suficientemente razoável, originava a violação do dever jurídico de regulamentar decorrente, expressa ou implicitamente, da norma legal”. Para além disto, acrescentara que quando tal inércia acontecesse, os tribunais administrativos deveriam poder proferir uma sentença onde se declarasse a violação do dever de regulamentar, para além de se poder estipular um prazo para produzir a regulamentação em falta, a pedido dos interessados directos ou do Ministério Público. Em forma de antecipação, foi “mais ou menos” isto que veio a ser consagrado no Código.
Por outro lado, temos outro contributo importante para esta questão, foi dado pelo Prof. Paulo Otero, que aquando da discussão da reforma, sugeriu que se criasse no contencioso administrativo um “mecanismo análogo” ao da inconstitucionalidade por omissão existente no “supremo” Direito Constitucional (art. 283º da CRP). Mecanismo esse que permitiria aos tribunais administrativos a possibilidade de darem conhecimento ao órgão competente de que se verificou a existência de uma ilegalidade por omissão de normas regulamentares.
Perante este caminho de “intensa insistência”, a Reforma do Contencioso Administrativo trouxe o nascimento, ainda que tímido (como veremos adiante), mas progressista, da Declaração de Ilegalidade pela Não Emissão de Regulamentos.
ii) Aspectos de Regime
O regime desta acção administrativa especial, ao contrário das demais, encontra-se num único artigo: 77º do CPTA. Apesar de se poder fazer referência à alínea d) do nº2 do art.46º do referido código, como consagração expressa de que estamos perante uma acção administrativa especial autónoma de qualquer outra, podendo seguir a forma de um pedido principal.
Neste contexto, no artigo 77º do CPTA, encontramos estipulada expressamente a possibilidade de se suscitar um pedido de apreciação da ilegalidade por omissão de normas regulamentares devidas. Para melhor analisarmos todo este mecanismo, por uma mera opção pessoal, dividiremos a análise em 3 partes: i) legitimidade; ii) conteúdo; iii) efeitos.
1- Legitimidade
A primeira questão que é pertinente analisar quanto ao regime desta acção administrativa especial prezasse com a pergunta: “Quem pode requerer esta acção?” . O nº1 do artigo 77º estipula logo na sua parte inicial quem tem legitimidade e se, por um lado, podemos ficar surpreendidos e satisfeitos com as semelhanças que encontramos em relação a outras acções administrativas especiais, por outro lado, ficamos algo confusos com as expressões utilizadas. Desde logo, o artigo estabelece que têm legitimidade: o Ministério Público (acção pública), as pessoas e entidades defensoras dos interesses referidos no art. 9º/2 (isto é, acção popular) e “quem alegue um prejuízo directamente resultante da situação de omissão”. É neste último que surge alguma confusão, senão vejamos. O artigo refere-se a alguém que tenha “um prejuízo” directamente resultante da omissão, o que leva o Prof. Vieira de Andrade a defender que este é um conceito bastante amplo e vasto e, como tal, deve entender-se que apenas se deve tratar de um “prejuízo directo e actual”. Na minha opinião, penso que o termo foi de uma utilização infeliz por parte do legislador, uma vez que a expressão “prejuízo” é pouco rigorosa e, em certa medida, pouco coerente com o espírito do código. Como tal, devido à similitude que faço entre a acção de declaração de ilegalidade por omissão de normas regulamentares e a acção de condenação à prática do acto devido (na sequência do pensamento do Prof. Vasco Pereira da Silva), como pode ser infra melhor explicitado, defendo a ideia de que deve ser feita uma interpretação ab-rogante do 77º/1 na parte em que diz “quem alegue um prejuízo directamente resultante da situação de omissão”, devendo ler-se o exposto no art. 68º/1-a) “quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido”, com vista a dar maior coerência e rigor ao preceito legal, evitando-se a amplitude imensa que comporta o termo “prejuízo”, uma vez que seria possível encontrar sempre alguém que tivesse um pequeno prejuízo possível; ao invés, adoptando o “direito ou interesse legalmente protegido” teremos de fazer o exercício jurídico de haver qual o direito em questão que a norma omitida visava proteger e quem é o verdadeiro lesado de acordo com o direito violado e não de acordo com a “aritmética” do prejuízo sofrido. O próprio Prof. Vasco Pereira da Silva, apesar de não se alongar, também deixa transparecer alguma “tristeza” pela opção tomada pela expressão “prejuízo”.
Posto isto, não encontramos justificações para que o legislador caracterize de forma diferente legitimidades de acções da mesma “categoria”, especialmente porque palavras e expressões diferentes nunca querem significar a mesma coisa e, neste preciso ponto, perante as nítidas parecenças não faz sentido o 77º ser diferente do 68º, aliás, nem compreendo o porquê de não haver uma remissão para este no que toca ao aspecto da legitimidade.
2- Conteúdo
Para que se possa concluir pela ilegalidade da omissão de normas regulamentares, temos de objectivamente concluir que houve um dever de regulamentar que foi definitivamente violado. Assim, prende-se a questão de saber de que forma pode resultar esse dever de regulamentar que foi omitido, tal pode, nomeadamente, acontecer de duas formas: por um lado, uma forma directa, isto é, esse dever de regulamentar resulta de forma expressa de uma determinada lei, por outro lado, uma forma indirecta, isto é, o dever de regulamentar decorre de uma remissão implícita para o poder regulamentar em virtude da incompletude do acto legislativo em causa. Esta última situação, no caso de haver uma omissão, é caracterizada pelo Prof. Vasco Pereira da Silva como a “omissão do dever de emissão de regulamentos de execução” (que visam completar e desenvolver um lei concreta).
Desta forma, teremos uma situação de ilegalidade da inércia da Administração quando existia, por estas formas, um dever de regulamentar e tal não aconteceu.
3- Efeitos
Posto isto, concluindo-se pela existência de um dever de regulamentar e tendo sido julgada a ilegalidade proveniente da não emissão do regulamento o que acontece? Bom, o nº2 do art. 77º vem estabelecer que a sentença que estipula a ilegalidade da omissão tem por efeito transmitir à entidade competente (que não emitiu o regulamento) que tem de suprir essa omissão, num prazo não inferior a 6 meses. Refira-se desde já que o Prof. Vieira de Andrade critica este prazo, considerando que seria melhor a estipulação de “um prazo razoável”, pois poderiam acontecer casos o em que fosse exigível que a omissão fosse suprida em menos de 6 meses, podendo esse limite mínimo não acautelar os interesses administrativos dignos de protecção jurídica. Na minha opinião, em parte o raciocínio do Prof. Vieira de Andrade é de adoptar, pois parece-me que o limite mínimo de 6 meses pode em certos casos compactuar com a omissão, na medida em que prolongaria ainda mais o prazo de espera pela emissão da norma e, em certos casos, o efeito da sua emissão já se ter-se-ia perdido. Contudo, uma expressão de “um prazo razoável” parece-me descabida, com o devido respeito, uma vez que se retirarmos os 6 meses e colocarmos essa expressão, por um lado, seria possível a emissão do regulamento antes dos 6 meses, mas por outro, a incerteza e a utilização casual dos prazos conforme o interesse da Administração poderia ser lesivo dos interesses dos particulares, visto que poderia demorar o tempo que achasse por bem para a emissão da norma, é imperial a existência da fixação de um prazo determinado. Perante isto, a meu ver, seria mais garantístico dos interesses públicos e particulares a continuação do estabelecimento do mínimo dos 6 meses, mas ressalvando-se a possibilidade de exigência de cumprimento da emissão do regulamento antes desse prazo quando as circunstâncias o permitissem e as posições jurídicas objectivas e subjectivas dos particulares o exigissem.
Depois desta análise, torna-se agora pertinente debruçarmo-nos sobre os efeitos jurídicos da sentença em sentido próprio, algo que origina confusões e algumas dúvidas. Assim, se, por um lado, a sentença que declara a ilegalidade da omissão parece ter apenas uma eficácia meramente declarativa, na medida em que se limita a dar conhecimento da existência de uma ilegalidade por omissão à entidade competente pela emissão, por outro lado, parece que também possui efeitos cominatórios, uma vez que prevê a tal fixação de um prazo casuístico (desde que não inferior a 6 meses) para a adopção das normas regulamentares omitidas. Perante isto, parece que podemos concluir duas coisas: primeiro, recuperando a inspiração do Prof. Paulo Otero referida supra (ligação à inconstitucionalidade por omissão), parece que a sentença que declara que a ilegalidade por omissão de regulamentos, feita pelos tribunais administrativos, é mais ambiciosa e progressista (ou utilizando a expressão do Prof. Vasco Pereira da Silva : “vai mais longe”) que a declaração de inconstitucionalidade por omissão de actos legislativos, feita pelo Tribunal Constitucional, na medida em que esta última apenas se limita a dar conhecimento da omissão ao órgão legislativo competente (não há uma estipulação de prazos para suprir essa falta) – veja-se o art. 283º, nº2; segundo, noutra perspectiva, recuperando o pensamento do Prof. Mário Aroso de Almeida, esta sentença que atesta a ilegalidade da omissão assemelha-se mais a uma sentença condenatória do que declarativa ou de simples apreciação.
iii) Perspectivas para o Futuro
Na sequência do que foi exposto, ficou demonstrado como a declaração da ilegalidade por omissão de normas regulamentares era necessária no Contencioso Administrativo português e como a reforma a instituiu e o CPTA a regula. Contudo, parece-me que este tema preza-se a algumas reflexões, na esteira do que faz, sucintamente, o Prof. Vasco Pereira da Silva.
A primeira conclusão a retirar-se é que esta inovação da reforma foi positiva, mas foi um pouco tímida e até “envergonhada”, na medida em que aceitou esta nova leitura e exigência, deu-lhe a conotação de acção administrativa especial, mas depois tratou-a no corpo da impugnação das normas regulamentares, originando a ideia de que estaria dependente desta, sem grande autonomia. Contudo, deve entender-se que apesar de ter um só artigo e estar sistematicamente inserido dentro da secção da impugnação de normas regulamentares que a declaração de ilegalidade por omissão é dotada de autonomia em relação àquela da mesma maneira que a condenação à prática do acto devido é autónoma em relação à impugnação do acto administrativo.
Isto leva-nos à segunda conclusão a retirar: no seguimento da doutrina do Prof. Vasco Pereira da Silva, não se vislumbra entraves ao estabelecimento da possibilidade de condenação da Administração na produção da norma regulamentar devida, tal como foi feito com os actos administrativos, criando-se uma acção de condenação na emissão de regulamento devido. Julgo ser este o futuro.
Perante isto, com a estipulação deste regime ao mesmo tempo tímido, inovador e progressista foi deixada aberta uma porta para que uma futura reforma ao contencioso administrativo português transforme esta declaração de ilegalidade por omissão numa verdadeira e renovada acção administrativa especial de condenação na emissão de regulamento devido. Uma evolução da figura que temos actualmente, representando uma transformação que origine maior importância jurídica e dignidade sistemática. Por isso, parece-me que a declaração de ilegalidade por omissão é o primeiro passo para a criação de uma acção administrativa especial similar à acção de condenação à prática do acto devido, mas desta vez para os regulamentos.
Cristiano Dias, Subturma 8
Sem comentários:
Enviar um comentário